Reação Pirata
Maconha:
entre tapas, tapinhas e beijos
Baseado, fininho, jererê, marijuana, manga rosa, cocada preta, orégano, capim, saci, bigu, Bob, varinha de condão.
São muitas as gírias para definir a coisa, mas, por mais criativas, divertidas ou disfarçáveis, nenhuma mostrou-se capaz de minimizar os piores efeitos que a maconha causa: preconceito, intolerância, pânico familiar e tudo mais que a ignorância, a pior das drogas, desencadeia, e dá-lhe o gládio entre os que acham que o consumo só se dá é por falta de couro - ou mesmo de carinho familiar - e os que acreditam que se faz muito barulho por uma coisica de nada – e os fatos comprovam que, em maior ou menor grau, ambos estão mal informados.
Sementes da discórdia
2.001. A jornalista paulistana Soninha Francine, depois de ser covardemente colocada em destaque na capa duma publicação de circulação nacional, acima da frase, em letras garrafais, "EU FUMO MACONHA”, só faltou levar uma coça nas ruas, pois, durante um certo tempo, nada e nem ninguém era mais assustador e ameaçador ao futuro de nossa juventude do que o fato de Soninha, muito de quando em vez, dar uns tapinhas num baseado, e - “onde já se viu uma coisa dessas? ” - ainda admitir isso em público!
O bafafá se deu, porém, por dois fatores: 'esperteza' da revista, que apelou para uma capa que, certamente, aumentou as vendas, mas, ainda mais certamente, desqualificou a excelente matéria que fez sobre a questão da descriminalização da maconha - sim, era este o foco, não os hábitos de quem se pronunciou a respeito -, somada à ignorância de quem nem sequer se deu ao trabalho de ler a matéria, e explicado fica o porquê de, súbita e estupidamente, para a (tédio...) 'família brasileira', algumas das virtudes pessoais e profissionais de Soninha (cultura, sensatez, franqueza) terem virado, hãnnn..., fumaça.
O simples fato de uma declaração (distorcida) favorável à descriminalização do consumo - que nada tem a ver com liberação - ter provocado não um debate lúcido, mas um bocado de chiliques e faniquitos país afora, seguido da sempre execrável, irracional e covarde censura -Soninha foi tirada do ar pela tve, onde apresentava um programa para jovens -, comprova o quanto de hipocrisia e, insisto, ignorância permeiam um assunto que, portanto,mais e mais precisa ser discutido, estudado e, muito importante, propagado em todas camadas sociais.
* Abro parênteses: tempos depois, a descriminalização tornou-se fato - restrita, diga-se, ao usuário, mas já foi, digamos, um bom começo. Fecho parênteses.
Recentemente, no Roda Viva, Sérgio Cabral, governador fluminense, se disse favorável à - agora, sim - liberação da venda e do consumo de maconha, e o fez de forma bem lúcida e cuidadosa, para não chocar essa que chamamos "sociedade", destacando a óbvia urgência de se começar a conter o poder do tráfico (diminuindo-lhe o ganho), bem como a violência decorrente deste, que têm gerado vítimas em todos os lados; afinal, se sofrem os que vivem no asfalto, imaginemos os que, nos morros, são vizinhos dos traficantes... De nada adiantou.
Gentes da dita sociedade civil, sociólogos, religiosos, adversários políticos e outros parasitas chegadíssimos a um holofote espernearam e sapatearam qual espanholas possessas.
Quando da polêmica com Soninha, eu e os camaradas que criamos a versão impressa da Pirata Zine (ao lado,capa duma edição) produzimos um suplemento especial sobre maconha, com artigos e opiniões diversas sobre o tema, inclusive com participação do Fernando Gabeira e - minha inesgotável gratidão - da própria Soninha. Seis anos depois, sentindo que pouco ou nada mudou nas cabecinhas de tantas e muitos pelaí, achei por bem reproduzir aqui a matéria que fiz para o tal suplemento, como uma minha modesta - mas, pode crer, científica e factualmente embasada - contribuição ao plá.
Na versão impressa, a matéria não ficou grande, mas, considerando-se a diferença que há entre ler no papel e no monitor, acredito que umas e outros se incomodarão com o tamanho. Não quis dividir a publicação, para não
interromper o plá, muito menos a reflexão, então sugiro a impressão, pra cada um (a) ler quando e onde puder.
Negócio da China
Embora originária da Índia, a cannabis sativa teve na China, mais de 5.000 anos a.C, seus primeiros e entusiasmados consumidores, que a usavam (e a recomendavam) como remédio contra náuseas, dores e falta de apetite. Não se sabe ao certo quando, mas, rapidamente, os chineses, passado o 'barato' da ganja, atribuíram-lhe outras propriedades nada terapêuticas, tais como permitir aos usuários a visão de espíritos. A partir daí, uns passaram a consumi-la para fins religiosos, como uma ponte de ligação com o além, e outros, mais hedonistas e em maior número, como mais uma forma de se gozar a vida. Comum a ambos a necessidade de rebatizar a herba com um nome que correspondesse à sensação que a mesma lhes causava, e, com isso, os primeiros passaram a chamá-la “libertadora dos pecados” e os segundos, de “fornecedora de encantos”.
Falando em hedonismo, os gregos, criadores desse modus vivendi, bem como da palavra para defini-lo, durante seus banquetes, consumiam a erva prazerosamente - e, claro, não a usavam como tempero para as carnes... Não podemos creditar ao hábito de fumar maconha o fato de terem legado a várias civilizações seguintes à sua muitos dos mais caros princípios éticos, políticos, sociais, artísticos e filosóficos da história da humanidade, mas, igualmente, não devemos ignorar o fato de que, apesar desse hábito, não deixaram de criar doutrinas - democracia, por um exemplo - admiradas, cultivadas ou mesmo apenas ansiadas por quase
todos viventes, inclusive por aqueles que, "esquecendo-se" de que democracia compreende liberdades individuais, teimam em querer padronizar os valores que lhes parecem ideais para a construção de um mundo no qual aqueles que ousarem não se guiar unicamente por tais valores também terão lugar garantido, só que no xilindró.
Seguidas civilizações posteriores à chinesa fizeram uso da maconha para fins meramente ritualísticos, com sacerdotes queimando grandes quantidades da erva para que os discípulos, fiéis e afins tivessem transes místicos, mas não é de hoje que as gentes fumam unzinho por uma única razão: prazer, e tentar dissociar esse fator de qualquer vício, seja bebida, comida, cigarro etc, é ser tão estúpido quanto a pessoa que se deixa consumir pelos seus vícios.
Essa busca do prazer tem sido responsável pela prosperidade de um tipo de comércio que não conhece a palavra crise: o tráfico, que, passados 7 milênios, deu outra conotação para a expressão “negócio da China”.
Até a década de 40, o consumo de maconha não era ilegal, mas o governo estadunidense proibiu seu cultivo, pressionado pelos interesses das indústrias farmacêutica (que desenvolvia drogas com efeitos similares aos da erva), têxtil (prejudicada pela extração de cânhamo, uma fibra da maconha) e, mais que todas, a do petróleo, que não gostou nada de saber que henry ford desenvolvera um automóvel feito com fibra de cânhamo e movido pelo óleo da semente.
Imperialistas desde sempre, os EUA, certos da abjeta subserviência dos governos de diversos países/parceiros, sugeriram a estes que também proibissem.
O brilhante dramaturgo irlandês Bernard Shaw, certa vez, disse: “O americano 100% é
99% bobo”. Difícil não concordar com ele, pois como os EUA puderam imaginar que proibindo o cultivo acabariam com o consumo, sendo que, pouco tempo antes, ao criarem a "Lei Seca", descobriram ter criado, também, o "crime organizado", que gerou fortunas para uns sujeitos dados a (não necessariamente nesta ordem) comer nhoque, metralhar os comerciantes que não comprassem as suas bebidas, fazer molho à bolonhesa com os corpos dos concorrentes e burlar o fisco?; logo, fica a pergunta: de que adiantou proibir?
Cientes de que a variedade de ofertas alavanca as vendas, os traficantes nunca pouparam esforços para o desenvolvimento de drogas outras, ou para aprimoramento das já existentes. Para ficarmos apenas no produto desta matéria, os derivados da maconha mais comumente produzidos são o haxixe (um extrato) e o skunk (uma variação sintética da maconha). Ambos são fortíssimos, com efeitos potencialmente elevados. Antes, entretanto, que algum eventual interessado pense “oba! ”, é bom salientar que diretamente proporcional ao efeito, o estrago.
Perdas e danos
Foi o israelense Raphael Mechoulan quem, em 1.964, identificou a principal substância ativa da cannabis, o THC (tetrahidrocanabinol), entre as + de 60 substâncias psicotrópicas solúveis na corrente sangüínea. Além dessas, na planta há outras 400 substâncias químicas de efeitos ainda desconhecidos - e ao dizer que o vermelho de seus olhos vinha do verde da natureza, o grande Bob Marley deu à maconha um caráter inofensivo - posto que natural - absolutamente equivocado.
O vício da maconha, embora usualmente seja de fundo psicológico, transforma ao menos 10% de seus usuários em dependentes químicos, os quais, se não tratados adequadamente, estarão sujeitos a uma série de problemas graves de saúde, tais como câncer de pulmão (o nível de nicotina da maconha é bastante alto) e esquizofrenia, que ainda não se pode afirmar se é provocada pelo consumo da maconha, ou se este apenas acelera o processo naqueles com propensão à doença; seja como for, é comum a associação entre a droga e a doença.
Menos devastadoras, mas não menos indesejáveis, outras ações prejudiciais à saúde de quem consome maconha regularmente são: esterilidade, falta de memória, tremor corporal, vertigens, taquicardia, alterações sensoriais e, se consumida em grandes quantidades, pode causar depressão.
Em algumas cidades (e Brasília, claro, é uma destas...), a saúde dos usuários está sujeita a riscos ainda piores, posto que os traficantes produzem a maconha em pedras, adulterando sua consistência natural - e sua composição química -, para o que se valem do uso de merla - um subproduto da cocaína - dissolvida em acetona, querosene, amônia e ácido de bateria automotiva (não, você não leu errado, é isso mesmo), e depois misturada à cannabis, assim formando uma 'paçoca' que pode levar o usuário a sofrer de um simples desmaio, passando por uma parada cardíaca, chegando, em casos mais extremos, a aneurisma cerebral - mas, aos alarmistas e fatalistas de plantão, um toque: a menos que, do 20º andar de um edifício,se atire um pacote de 50 Kgs do bagulho na cabeça da pessoa, ninguém morre de overdose de maconha.
Riscos, pois, os há, mas a estes também estão sujeitos aqueles (as) que se orgulham de seus salubérrimos hábitos. Vai vendo.
Baratos afins
Quem se lançar a pesquisar os processos químicos e de manipulação genética a que são
submetidos muitos dos alimentos que ingerimos, ao final da 'aventura' chegará à conclusão de que o melhor mesmo a fazer é viver se alimentando exclusivamente de soro, algas e, já que ninguém é de ferro, banana - e plantada em casa!
Nas galinhas, por exemplo, 'estrelas' dos que não consomem a "mortal" carne vermelha, injetam tantos hormônios, e com finalidades tão diversas, que não deveremos nos assustar no dia em que um nosso colega, depois de traçar um simples galeto, começar a assoviar o hino nacional pelos ouvidos, soltar fumaça pelas ventas e, após trocar todos pêlos do corpo por penas multicoloridas, explodir em fogos de artifício, formando no céu a sigla “ALCA”...
Exageros à parte, é fato que temos ingerido, a cada refeição, uma quantidade suicida de
hormônios, agrotóxicos, enxertos, toxinas e outras venenos com os quais, que "engraçado" ninguém se espanta ou indigna.
Para os mais céticos, uma dica: é, mais que recomendável, obrigatória a leitura do livro
"Relatório Orion - Denúncia Médica Sobre os Perigos dos Alimentos Industrializados e dos Agrotóxicos", Márcio Bontempo, Ed. L&PM, 1.985.
Falar que a maconha não é de todo prejudicial à espécie humana parece apologia, causa coceiras, mas, pode crer, a maconha e os seus derivados possuem benefícios que, se bem aproveitados, poderiam ser bastante úteis no tratamento de doenças e no desenvolvimento sustentável de nossa economia. Se liga no plá.
Há vários casos em que a maconha é usada, como o era na China, para fins terapêuticos.
Exemplos: contra enjôos decorrentes de quimioterapia, no tratamento de glaucoma, contra a asma, além de recomendada para os portadores de AIDS, para lhes abrir o apetite, assim impedindo-lhes a morte por inanição.
Governos de muitos países (EUA também) cederam à pressão de grupos representantes de pacientes e criaram centros de pesquisa vinculados aos orgãos nacionais de saúde, nos quais já é permitida a fabricação de cigarros de maconha. Com qual finalidade? Estudar os benefícios de seu consumo em pacientes com AIDS e câncer. No que se refere ao desenvolvimento econômico sustentável, o panorama torna-se ainda mais vasto e promissor.
Da cannabis pode-se extrair cerca de 25 mil produtos de uso essencial para a sociedade, dentre os quais calçados, roupas, produtos de beleza, óleo de cozinha, chocolate, sabão em pó, papel, tintas, isolantes, combustível (o qual, ao contrário do petróleo, é renovável e não poluente), material de construção, carrocerias de automóveis etc, etc, etc ao cubo.
Se o Brasil desse à maconha a mesma importância que dá a outras drogas (celebridades, por um só exemplo) poderia produzir, em 3 anos, feitas as adequadas pesquisas genéticas, a semente da cannabis sem o THC (o princípio psicoativo), para fins industriais.
O cultivo da cannabis não carece de agrotóxicos, tem alta performance produtiva (cresce em, no máximo, 110 dias) e pode ser associado a outras culturas.
Grifes internacionais, como Adidas, Guess, Calvin Klein, entre outras, há muito investem no uso industrial da cannabis e, quer saber?, não têm do que se queixar.
Fazendo a cabeça
A maturidade de um país é medida pelo nível de relacionamento de seus cidadãos com
o Estado, e nenhuma das partes pode sobrepor-se à outra valendo-se de leis que atendam
unicamente aos direitos de uns, tampouco que correspondam aos intere$$es de outros. É
necessário, como em tudo mais, equilíbrio e argumentação.
O Estado tem deveres para com os cidadãos, e mesmo quando não os cumpre - o que é
regra -, cabe aos cidadãos, através de argumentos, e não de violência de qualquer ordem,
cobrar as responsabilidades do governo. Por seu turno, a população tem uma infinidade deobrigações para com o Estado, e ai dela se não cumpri-las direitinho...
Deixando direitos e deveres cívicos de lado, e seus respectivos exercício e cumprimento, sobram apenas as liberdades individuais. A partir do instante em que o Estado ou qualquer outra otoridade se arvora o direito de interferir nas preferências e hábitos - sejam lá quais forem - dos cidadãos, e ainda puni-los severamente (não raro com violência) por prejuízos que estes cidadãos estão causando não ao Estado nem à sociedade, mas exclusivamente a si próprios, a autoridade desse Estado - ou de quem quer que seja - torna-se nula.
No caso das drogas, que elas são prejudiciais aos seus usuários não resta dúvida. Quem as consome, exageradamente ou não, está careca de saber disso, e, se não sabe, a parte que cabe ao Estado é a de instruir, e não punir, coisa que caberia ser feita aos traficantes, muitos destes facilmente encontrados, como já exaustivamente denunciado pela imprensa, em sessões do congresso e do senado...
Essa política de proibição só traz benefícios para 1 vértice do triângulo, o traficante, que fatura cada vez mais às custas dos usuários, e ainda ri da cara de um governo impotente diante da infração e da sonegação de impostos por ele cometidas impunemente. Fora isso, proibir o consumo é atacar o efeito, não a causa.
Cabe a todos nós argumentar, participar e opinar e, se preciso, lembrar ao Estado que pune o cidadão, o que é muito fácil, e livra a cara de bandido, o que é inaceitável, o óbvio: se eles têm autoridade, que a exerçam contra os que a desafiam - e, até, ridicularizam -,jamais contra os que, pelo voto, a legitimam.
O Pirata
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1 comment:
No meu tempo chamava-se baurete (baura para os íntimos). Quem fumava fazia parte da turma do fininho. Na tevê, no Programa Flávio Cavalcanti (um SS com ibope do Fantástico), um delegado de polícia alertava papais e mamães sobre os sintomas que deveriam ser observados nos rebentos, potenciais consumidores da erva maldita: olhos vermelhos, apetite inusitado por doces, introspecção, cheiro de perfume no quarto...) Graças a estes conselhos sábios, muitos jovens da minha geração foram impedidos a tempo de prosseguir consumindo a cannabis. Como se sabe, o uso prolongado leva à masturbação compulsiva, que, por sua vez, leva ao crescimento de pêlos na palma da mão - direita, preferencialmente. Curiosidade: tempos depois descobriu-se que o insigne delegado, além de dedo-duro era um dos principais traficantes do Rio de Janeiro. Como diz Odaléia, minha doce vizinha, nada como um dia depois do outro.
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