Que tipo de Reação o Reação quer causar? Não anunciarei o que temos. Acompanhem o que temos, nossos colunistas e colunas, entrevista com Lucia Aratanha, veterana da CIA dos Atores, textos de Jens, Jean Scharlau, Roberto de Queiróz, Halem de Souza, charges e quadrinhos do Venâncio… Porque todos visam a mesma intenção. Nesse editorial, anunciarei a intenção.
No filme “The Wind that Shakes the Barley” (O Vento que Chacoalha a Cevada, tradução livre – dir. Ken Loach, também premiado), vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes em 2006, o personagem Damien (Cilian Murphy, prêmio de melhor ator no mesmo festival) e seu irmão Teddy (Padraic Delaney) vivenciam a transição de poderes na Irlanda de 1920. Churchill queria que o país pertencesse ao domínio real e fizesse parte do Reino Unido. Por todo o país ocorriam, simultaneamente, uma série de demonstrações de resistência: maquinistas não carregariam milícia ou armamento britânico; a população protestava e resistia em escalada. A pressão social crescia com a presença do exército britânico deixando rastros de sangue e sofrimento por onde passava. O IRA (Exército Republicano Irlandês) surgiu da necessidade pessoal e imediata de vingança e resistência. Como matavam seus amigos, membros do Exército Republicano Irlandês não hesitavam em matar soldados ingleses.
Logo, por interesses distintos, irlandeses inocentes morriam por confessar ou não confessar, por acusar ou não acusar, por denunciar ou não denunciar uns aos outros. Se não os matassem os ingleses, o fariam representantes do Exército Irlandês clandestino em nome de mais armas, mais dinheiro e mais resistência, em prol de uma causa reativa que deixou de ser contra a violência e a opressão e passou a ser a favor da “independência irlandesa”. Repentinamente, a independência tornou-se mais importante do que os independentes. A bandeira, mais santa do que a população.
Com Andy Garcia em “Lost City” (2005, dir. Andy Garcia), Che Guevara é representado como um militar assassino e impiedoso. Antes disso, no entanto, vemos a imagem de Batista como assassino e impiedoso, e compreendemos como muitos cubanos simpatizaram com a causa comunista. No filme, três irmãos encontram-se moralmente presos em lados opostos da fronteira. Um deles luta pelo comunismo de Fidel. O outro, pelo pluralismo independente e o terceiro, por fim, não luta. Apenas expressa e ressente a violência, compreendendo a impossibilidade de evitar mais violência enquanto ainda existe a opressão. Em pouco tempo, Batista desaparece e surge Fidel. Este manda executar os companheiros de Batista enquanto o próprio se escafede da região. Depois, proíbem o saxofone, por ser instrumento imperialista, e a leitura de determinados livros, a apreciação a determinadas obras de arte, o acesso a certas fontes de informação... Erradicam o pensamento de alguns filósofos, detêm poetas e outros artistas, e ao paredão muitos foram e até hoje, sorrateira e silenciosamente, ainda vão. Saiu Batista, entrou Fidel…
A pergunta que sempre ressurge é: Será que estamos fazendo a coisa certa? Será que essa Irlanda, essa Cuba, vale a pena de minha própria morte? E a morte de minha família? E a morte de meus inimigos?
Judeus europeus saíram dos campos de concentração alemães e fundaram Israel, que cria campos de concentração para os árabes, ou pelo menos imita muito bem o potencial de fabricar guetos. Na África, em regiões como Darfur, Zimbabwe, Congo e outras, houve e ainda há conflitos de irmãos contra irmãos, de amigos contra amigos, de favelados contra favelados. Se eram Hutu ou Tutsi, se assassinavam. Se sofressem ou ganhassem o suficiente, denunciariam aos Afrikanners a pele de um primo, ou da própria mãe.
Primeiramente, para não complicar mais o que já é complicado, há um motivo primitivo, primordial, ao nascimento das Forças Armadas Israelenses, dos Hutu e dos Tutsies, dos representantes do IRA e dos Freelanders, como dos Curdos, Sunitas e Shiitas no Iraque: opressão violenta. Caso fosse uma opressão trabalhista, ou de imposição financeira, ainda seria opressão e suscitaria reação, mas talvez proporcional e menos violenta. O surgimento de um (opressão violenta) e o nascimento dos outros (grupos ‘terroristas’, separatistas, individualistas etc) é intrínseco.
Em segundo lugar, em todos os casos podemos simplificar a consequência como desastrosa. O IRA ainda clama seus atentados, como o ETA, como o Fatah e o Hamas. Na África, sudaneses brigam com etíopes, muçulmanos se erguem contra católicos. Na Cuba, ainda existe um regime totalitário, que nasceu para derrubar um regime totalitário. Estados Unidos, capitalista e imperialista, pretende derrubar o totalitário, mas também deseja a opressão do povo. Isso só pode significar, simploriamente, que a fundação de grupos contra-opressores não solucionou o problema maior: a violência. Muito pelo contrário, apenas a multiplicou, prolongou, reverteu ou inverteu os lados, mas a deu continuidade e a aumentou, na maioria dos casos. Irmãos matam irmãos, literalmente, em nome de causas que visam proteger a vida de irmãos. Faz sentido? Não. Não é para fazer sentido. Faz sentimento, e muito amargo, deprimente, ruim…
John Lennon, em sua canção “Revolution” diz: Revolução? Estou dentro... fora. Quando perguntaram a ele: Mas, John, como assim? Dentro ou fora, rapaz? Lennon respondeu: Dentro da exigência de mudanças, mas fora de qualquer espécie de protesto agressivo. Simples, não é mesmo? Não é, tampouco. Nada simples. Quando assassinam seu amigo ou parente diante dos seus olhos, é natural que você exija e deseje a morte do agressor. Realizá-la é também possível, se não provável, em termos sentimentais. Quando o conflito moral torna-se pessoal, torna-se também angustiante e ambíguo. Fazer o certo é sempre difícil.
No entanto, por ser difícil, não significa que devamos desistir. O certo é mesmo o mais complicado, mas deve ser feito. É esse certo que cria civilizações respeitosas ao meio ambiente e à sociedade, civilizações produtivas e elevadas. É nesse certo que precisamos nos espelhar. A resistência é necessária. A violência é proibida. Terminantemente proibida.
Reagir é conosco. Precisamos instigar o questionamento, o movimento da nação, seja ela qual for, em prol de um melhor mundo. Precisamos instigar indignação, inconformismo e protestos múltiplos em todas as áreas. Precisamos educar o ser humano a lutar até o fim pelo que é justo, e ensinar valores justos, de igualdade, tolerância, paz e integridade. Precisamos exemplificar sentimentos, situações, dilemas e conflitos na arte ilustrativa, que expõe, agride, mas não precisa matar ninguém. Falo do Brasil, por exemplo, que permitiu silenciosamente o aumento salarial de parlamentares, mas tolera um salário mínimo miserável… Que testemunhou a chegada de Bush com péssimas intenções em torno do etanol, com milhões de pessoas colhendo cana em escravocracia explícita, com um governo imperialista tomando conta, mais uma vez, da propriedade brasileira… Que testemunha diariamente a impunidade de seus políticos, a inexistência de uma fiscalização rigorosa aos donos das grandes empresas, aos mais ricos comerciantes, e testemunha também a exigência da impunidade a menores miseráveis, sintomáticos e insanos… Que aceita uma mídia palhaça, que ainda menciona Sobel como rabino, representante de uma comunidade judaica que ele nunca representou, que faz lambanças no Fantástico e contrata Jorginho para fazer papel de Jorjão, que explicitamente escolhe um lado específico a reportar, e ignora o outro… Falo do Brasil, mas falo dos EUA, de Israel, e de muitos outros países cuja filosofia existencial é praticamente a mesma.
A violência não faz parte do que precisamos fazer para criar um mundo melhor. Ela é apenas um sintoma de uma doença grave e fatal. Para erradicá-la, é necessário compreender sua extensão. Para erradicá-la, precisamos sair do círculo vicioso da negação. Esse é o teor do nosso Reação. Precisamos de vocês para fazer um mundo melhor… É sério. Acreditem.
Abrax,
Roy Frenkiel