Friday, March 30, 2007

Entrevista Pasquiniana com Lucia Aratanha

Na noite da entrevista, quase nos desencontramos. Quando Lucia Aratanha chegou, no entanto, e quando nos identificamos através do turquesa de sua blusa, nos sentamos em uma mesa do alojamento escolhido para abrigar nossa conversa. Suas primeiras palavras: “Se não fosse hoje, ficaria complicado, porque já estamos começando com ensaios mais rigorosos!” Pois é, Lucia, ainda bem que não nos desencontramos. Leve em suas vestimentas e composição corporal, Lucia falou com as mãos, com gestos complementando o que suas palavras não alcançavam. A mente de uma dançarina, coreógrafa e coordenadora de movimentos corporais funciona assim, e é este o teor de sua carreira, culminando no trabalho atual “Swallowing the Moon” (Engolindo a Lua), que estreou dia 28 de Março no Carnival Center for the Performing Arts. A peça faz parte do projeto Miami Light-Here & Now do Carnival Center, que ocorreu entre os dias 28 e 30 de Março, onde Lucia se apresentará ao lado do coreógrafo Octavio Campos, e Jojo Corväiá, que terá seu próprio espetáculo músico-visual. Lucia é veterana da CIA dos Atores, e tem uma carreira de início em 1975. A peça de sua direção e interpreteção solo é inspirada, e não baseada, como ela insiste em explicar, na crônica “Amor” de Clarice Lispector. Como muitos de seus trabalhos, expressa as palavras de uma escritora visual e introspectiva, nos passos e metamorfóses que realiza ao palco. Lucia tem um propósito objetivo com esta entrevista, divulgar sua mais recente peça, seu primeiro trabalho solo nos Estados, e despertar a curiosidade da comunidade brasileira do Sul da Florida pelos espetáculos do teatro em movimento, e o teatro moderno em geral. Suas respostas fizeram parecer inúteis as perguntas.



Antes de mais nada, uma breve biografia e “mudanças de ares.”
Bom, eu tenho mais de 30 anos de carreira, né? Trabalhei no Rio de Janeiro e São Paulo, principalmente, no Brasil.Vim a Miami em 1993, e aqui trabalhei um pouco, mas não tanto quanto trabalhava no Brasil. Fiz algumas colaborações com alguns artistas americanos, e trabalhei com Giovanni Luquini também, que é brasileiro. Agora só mesmo é que estou entrando em meu primeiro trabalho solo aqui. E é um projeto que tenho em mente há vinte anos, que é trabalhar com esse texto da Clarice, em um formato de conto, e fazer uma adaptação pro teatro em movimento. A Clarice é uma escritora que inspira muito a linguagem do movimento, por causa das imagens, porque ela é pura imagem. E eu também queria colocar palavra, porque é uma coisa que eu sou fascinada, e ela usa a linguagem.

Como foi o processo de chegada ao Here & Now?
Há geralmente uma seleção, à qual você aplica, né, mas no meu caso, conhecia a diretora mais intimamente, e alguém comentou com ela que eu tinha esse desejo, de fazer um trabalho, mas estava bem espaçado, não tinha uma deadline. Um dia ela me ligou, disse que sabia de meus desejos, conversamos, ela adorou e eu entrei. Esse ano estão fazendo só com três artistas, que é um sistema muito melhor, porque sobra mais patrocínio para cada um. Então existe uma restrição de tempo, de qualquer maneira, para evitar uma maratona massante de trabalho. Depois, de acordo com a avaliação do trabalho, vendo o que funciona e o que não funciona, pretendo desenvolver mais e de repetente até transformar a peça em um espetáculo de uma noite, o qual farei só eu, em uma noite. Porque com trinta minutos não se pode montar um espetáculo, claro. Quero continuar a trabalhar e desenvolver a peça sempre.



De onde vem o título “Swallowing the Moon”?
O título vem de um livro chamado “The Red Tent,” sobre mulheres da antiguidade, e essa era a expressão à qual eles se referiam às jovens, quando estavam prontas para receber um marido e engravidar. E essa descrição achei muito bonito, poética, e resolvi chamar esse trabalho de “Swallowing the Moon” (Engolindo a Lua). Do título da Clarice eu não gosto, não é apropriado, distrairia o público da idéia original. A Clarice era meio assim, mesmo (como na maior parte da entrevista, para encontrar as palavras, Lucia se movimentava, e é uma pena não conseguir traduzir todos os seus movimentos nas páginas desta entrevista, pois não caberiam por aqui)… E ela não revisava os seus textos, terminava e já estava bom, e estava bom, mesmo! Por isso que ela é tão visceral.

Como é o desafio de se traduzir as palavras de Clarice em “Swallowing the Moon”?
Bom, é um desafio grande, principalmente quando começamos a traduzir pro Inglês, porque estou usando um pouco do Português, mas não tanto, que prejudique o entendimento (a quem não fale o idioma). O trabalho é bem abstrato, não é um conto linear, e sim uma desconstrução do texto. Através da linguagem do movimento, que é uma linguagem abstrata, o espectador acaba precisando absorver a essência do trabalho. O mais importante não é contar a historinha, mas sim mostrar a trajetória, mostrar ao público essa trajetória do amadurecimento, o mergulhar dentro de si, e deixar a mão nas feridas e nos nervos, como uma proposta de crescimento, amadurecimento. Essa personagem atinge isso por ser uma mãe, mas o trabalho não é só para mães. Não fica fechado só na experiência da mãe. Eu tenho essa necessidade muito, porque mais e mais as pessoas têm essa tendência de estarem cada vez mais presas. Esse trabalho aborda isso, o medo da perda, por exemplo, que todos têm, e hoje em dia também temos medo, mais do que nunca, de perder a juventude. Esse trabalho quer mostrar o inverso, que quanto mais se trabalha, se batalha, mais vitalidade você ganha. Então não se resume às mães, é algo mais aberto. É um processo muito interessente com os colaboradores, de perder, experimentar, crescer... O processo da personagem acaba sendo o nosso processo de trabalho. Hoje mesmo estava sentada com Jennylin Duany, que está me ajudando mais no processo teatral, e ela estava me perguntando umas coisas e, de repente, me disse: “Não se mexe!” Acabei descobrindo uma coisa muito interessante, sem poder me mexer, acabei vendo uma imagem belíssima e super poética para o que eu estava tentando dizer. O processo é muito parecido com a personagem, que também vai se mergulhando, se descobrndo. Também tenho feito pesquisas nesses últimos vinte anos, e encontrei o mito de Inanna, que é considerado o último mito da era pré-patriarcal, que muitos psicólogos usam no tratamento de mulheres. Encontrei nisso justamente uma mesma trajetória que a Clarice coloca na personagem, a relação do limite…



Existe um conceito social, também, no conto da Clarice, das restrições da mulher na sociedade. Sua obra trata desse aspecto ou cria algo completamente paralelo?
A Clarice pega os personagens dela e põe em uma centrífuga mesmo, e no final, ela sempre dá um certo passo para trás. Quer dizer, a personagem muda um pouquinho, mas quase nada, ela acaba sempre voltando um pouco atrás. Por isso que eu falo “é uma adaptação,” mas é uma inspiração, porque eu não volto, não dou esse passo para trás com a personagem. Damos uma finalização melhor, mesmo porque tem um contexto pessoal no meu trabalho, porque do mesmo jeito que essa personagem evolúi, nós também passamos uma tonelada de acontecimentos na vida, e também vamos crescendo sutilmente, damos nossos passos para trás, mas crescemos de pouquinho em pouquinho em pouquinho. Então não queria terminar com esse passo para trás, porque seria desencorajador.

Fale um pouco do mito pré-patriarcal de Innana, e como ele se integra à peça.
É uma grande experiência, usando os movimentos, integralmente, e os símbolos que escolhi, como uma corrente que eu uso em cena, que é um pouco como a trajetória, uma metáfora de minha vida. Porque no mito, existe o símbolo de uma cobra comendo o próprio rabo, e Inanna tem de matar a cobra para poder quebrar o ciclo da juventude, para poder virar mulher. Ela precisa matar essa cobra. Essa imagem está bem presente no trabalho. A Innana, para poder visitar sua irmã, que é a Lilith, a Lua, a Deusa da Escuridão, ela precisa passar por sete portais, e em cada portal ela precisa retirar uma parte de sua vestimenta para chegar completamente nua. Isso representaria retirar as camadas, se purificar, o que se expressa no trabalho em um processo de transparência. Não fico totalmente nua na peça, mas existe esse processo de transparência, e no final, o seio esquerdo fica totalmente exposto, que é o próximo ao coração. Enfim, são elementos que fui tirando… Uma coisa bonita, por exemplo, do texto da Clarice é a relação que a personagem tem com os ovos. O ovo na peça me representa, não ao filho, e tem essa coisa da quebra dos ovos… Ela fala coisas muito bonitas, como, “a força da minha vida se quebrou.” Ovos também representam a viscosidade, que é algo muito feminino. Tem todos esses elementos no trabalho. É um trabalho que ou as pessoas adoram ou as pessoas não entendem, se chocam.

Então é essa relação de ódio e choque que as pessoas podem esperar da peça e que você deve esperar das pessoas?

Tipo, uma amiga minha veio me visitar e no final ela ficou muda, sem palavras. Não conseguia falar, e é isso que podemos esperar dessa peça, essa coisa do espetáculo acabar e ninguém aplaudir, uma platéia sem palavras.

É um trabalho tão provocante assim?
É um trabalho provocante, sim, que provoca, mesmo. Eu como intérprete sou mesmo visceral, e estou procurando outras coisas, mudar isso, mas esse trabalho é mesmo visceral, algo ao qual eu particularmente me identifico. Minha nora, por exemplo, que tem vinte e pouquinhos anos… O dia que ela bateu o texto para o computador, porque estava sem tempo, e quando acabou me perguntou: “Você se identifica com isso?” Apavorada, estava meio sem entender mesmo (risos). Aí eu respondi: “Calma, quando você amdurecer você vai entender.” (Risos gerais).


Depois dessa sequência da estréia com o Miami Light-Here & Now, você tem planos de apresentar “Swallowing the Moon” em outros locais, ou outras datas?
O Here & Now é um projeto super legal que dá suporte para artistas locais e dá oportunidade para poder apresentar nossos trabalhos, tenho essa intenção tanto dentro quanto fora do seu contexto.


Alguma expectativa da peça circular pelo Brasil?
Tenho uma amiga no Brasil que já me disse que tinha de fazer lá, que encaixaria perfeito. Estou, de fato, procurando outros caminhos e de repente até levo. Seria voltar ao Português, o que seria bastante interessante. Esse processo atual já foi bastante esquizofrênico, porque a tradução em Inglês é pobre em comparaçãp ao texto da Clarice. Estava com um pouco de dificuldade de fazer sozinha a adaptação mesmo, sair do texto quando fosse necessário. Então chamei um amigo meu, um dramaturgo, cubano, o Jose Manuel Dominguez. Ator, dramaturgo, diretor, uma pessoa maravilhosa, com um conhecimento da literatura brasileira muito maior do que os americanos, e a lingua é mais próxima, tem um entendimento melhor do Português. Mesmo assim o processo foi engraçado, ele trabalhava em Espanhol, mandava para mim em Espanhol, e pegava a tradução do texto, dava uma maquiada… O texto ainda tem muita coisa para mexer, desde o início, mas agora vou parar de mexer, se não, não fica pronto (risos).

Nunca fica pronto, né…?
O que é ótimo, porque quando fica pronto, fica velho (risos). Agora, voltar para o Português será mais interessante ainda. Agora mesmo, faço um pouco de Português, e algumas pessoas me perguntaram porque eu não faço tudo em Português. Mas, por exemplo, a maioria dos hispanos por aqui, trazem muito do Espanhol, mesmo como uma forma de crítica à presença latina nos Estados Unidos, um protesto ao linguajar típico de seus países. Isso ainda não existe em relação ao brasileiros, acho que ainda tem algumas gerações, talvez chegue a acontecer na geração da minha neta, mas por enquanto não acontece isso. E eu não fui criada aqui, então não me ambiento na cultura dos EUA. Então, eu penso, para quê falar em Português se ninguém vai entender! Para mim é mais importante me fazer entender do que falar o Português. Falo algumas coisas em Português, e inclusive canto um pouquinho, porque isso faz parte de nossa cultura, para tudo temos uma música, vamos sempre cantando, então eu também canto, mesmo sem ser cantora. Canto como todo mundo canta, como a faxineira que canta enquanto trabalha. Eu prefiro trazer esse sabor brasileiro do que falar em Português.

Qual é a diferença entre o púnlico brasileiro e o público Norte-Americano?
O teatro contemporâneo, aqui nos Estados Unidos ainda está engatinhando, acontece mais em Nova Iorque, mas Miami tem um público mais conservador, o que dificulta um pouco. Mas tem, temos um público, apesar de não ser grande, ele existe.

Ou seja, nem precisa dizer que a maioria de seu público é de estadunidenses e latinos?
A grande maioria, claro, pouqíssimos brasileiros.

Por que isso acontece? Falta de apelo à comunidade?
Sim, falta, principalmente em torno da área contemporânea, de arte mais instigante. Acho que o pessoal que vive aqui não é tanto o pessoal que têm muito interesse por esse tipo de arte.

Há algum modo, ao seu ver, de chamar a atenção para mais público?
Acredito que tenha, alguns, que talvez não saibam o que está acontecendo, portanto é sempre importante que haja publicidade. Adoraria que viessem e conhecessem o espetáculo, é algo completamente novo, uma nova experiência para muita gente. Porque há pessoas que nunca foram expostas a isso, estão mais acostumadas à arte mais digestiva, mais popular, mas às vezes a pessoa vai e pensa: “Ah, que interessante!” E da próxima vez fica mais curiosa. Precisamos sempre divulgar, porque se não, há pessoas que nunca saberão que gostam desse tipo de arte.

Fale um pouco de seu trabalho com Gary Lund.
Trata-se da peça Hostages of the Art: Surrender!.(Em tradução livre: “Seqüestrados pela Arte: Rendam-se!”), onde o público é o personagem principal. É uma peça política, mas não é politizante. Vem muito sobre essa idéia da guerra atual, da política, da cultura, e veio um pouco dessa idéia e de um brincadera que nós temos mais é que sequestrar o público para o palco. Já que vemos nas páginas dos jornais todo o dia sobre alguém que foi seqüestrado, portanto surgir a idéia. Na peça, nós seqüestramos a platéia, tapamos seus olhos e fazemos eles experimentarem a arte. Trabalha com toda uma parte sensorial. Depois até temos um momento em que elas podem se expressar por desenho ou escrita, e depois verbalmente. E depois eles vêem o trabalho que eles criaram. Nos apresentamos na FIU, no ano passado, umas quatro ou cinco apresentações e agora estamos ainda em processo de fechar com o Miami Light e o Carnival Center para fazer uma coisa maior para as pessoas.

Alguma última mensagem aos leitores?
Sim, claro: VÁ AO TEATRO!

Depois da entrevista, Lucia chamou ao telefone, e disse:
“Você me perguntou o que eu fazia e não respondi, mas faço também massagens e outros trabalhos corporais.”

Por fazer questão de ter a informação notada, cá a adicionamos.

Ficha Técnica:
Miami Light-Here & Now (28-31 de Mar)
“Swallowing the Moon”
– Por Lucia Aratanha, em interpretação solo

Video Design: Dinorah de Jesús Rodriguez
Costume Design: Estela Vrancovich
Set design: Carolina Pagani
Música Original e Design Sonoro: Ricardo Lastre
Text Adaptation: Jose Manuel Dominguez
Conselheiro de Movimentos: Gary Lund
Conselheira de Atuação: Jennylin Duany
Fotos por David Whitman

O sítio associado ao R.C CABARÉ, publicou o resumo desta entrevista! Clique aqui e conheça nossos sócios!

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