Monday, April 30, 2007

O Povo e o Livro (FUNDEB II)


Paremos com a panacéia: FUNDEB, PDE e o atual quadro da educação brasileira – Parte II

Por Halem Souza

Antes de prosseguir nas observações que venho fazendo sobre a educação pública brasileira, vão aí duas notícias; uma mais antiga, outra, mais recente;

● No início deste ano, a ex-secretária de Educação da Inglaterra, Ruth Kelly, colocou numa “saia justa” o governo britânico, ao matricular seu filho em uma escola privada de nível elementar, ao invés de encaminhá-lo para a rede pública. O primeiro-ministro Tony Blair precisou se pronunciar, já que o ato de Ruth Kelly poderia significar que as autoridades britânicas não atestam a qualidade de seu sistema educação pública. A revista Época (nº 452, de 15/1/2007), que divulgou a matéria, entrevistou os quatro últimos ministros da Educação brasileiros para saber onde seus filhos estudam ou estudaram.
Os filhos de Paulo Renato Souza (da era FHC) e as filhas de Cristóvam Buarque (já no governo Lula) estudaram em escolas privadas. Tarso Genro(que ocupou a pasta e atualmente é Ministro da Justiça) não declarou nada, mas sua filha, Luciana Genro, estudou em escolas privadas e públicas. O atual ministro, Fernando Haddad, que tem dois filhos em idade escola, disse, por meio de sua assessoria, que não fala de sua vida pessoal...

● Na segunda semana do mês de abril, milhares de trabalhadores argentinos realizaram uma paralisação geral, de um dia, com manifestações de rua, protestando pela morte do professor Carlos Fuentealba, que lutava por melhores salários na província de Neuquén. Detalhe: os docentes em greve nesta província reivindicavam que seu salário fosse suficiente para pelo menos cobrir o valor de uma cesta básica, o dobro do que ganham em média (400 pesos ou R$ 262).

As notícias transparecem visões do que vem a ser o compromisso do Estado com a educação: de um lado, a concepção de que o sistema público deve ser confiável e de boa qualidade e de outro, o desprezo e o descaso com a edução pública, já que isso “é coisa de pobre”.

...............


No último dia 24 de abril, o governo Lula lançou definitivamente as bases de seu PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação), com duração prevista até 2010. Também chamado de PAC da Educação – daqui a pouco, sai o PAC do PAC – o PDE tem 15 pontos básicos e depende, para ser implementado, de iniciativas de outros ministérios e órgãos do governo, além, é claro, do MEC (Ministério da Educação), como, por exemplo, criação de linhas de financiamento do BNDES para garantir transporte escolar e ampliação do programa Luz para Todos, para suprir 18 mil escolas com energia elétrica. Outras medidas do PDE, como por exemplo, a proposta do PSPN (Piso Salarial Profissional Nacional), de R$ 850, precisam passar pelo Congresso (e correm o risco de serem consideradas inconstitucionais!).

Lula afirmou que seu governo, caso seja alcançado tudo o que o PDE almeja, “entrará para a história” e que está promovendo “uma revolução na educação brasileira”. Não é bem assim.

Como escrevi anteriormente aqui (http://reacaocultural.blogspot.com/2007/03/halem-de-souza-comenta-o-fundeb.html ), as decisões tomadas pelo atual governo são necessárias e corretas. Os recursos estão garantidos aparentemente, com a criação do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) e o PDE aponta ações concretas para o setor, sendo uma das mais importantes, a meu ver, a criação do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), aplicado aos municípios, e que servirá para saber quais deles necessitam de recursos e assistência técnica adicionais. Contudo, ainda que sejam adequadas como política educacional, tais iniciativas não são “revolucionárias”. E por quê?

Três são as razões:


1. Um piso nacional de 850 reais para profissionais do ensino, sem dúvida, corrigirá absurdos como salários abaixo de 200 reais, existentes em muitos municípios brasileiros. Segundo dados da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), 42% dos professores ganham menos de 600 reais por 40 horas de trabalho. Entretanto, pouco mais de 10% recebem algo em torno de R$ 1.000. Pergunto: por que alguém, após passar pelo ensino superior, se contentará em receber uma remuneração desse valor? Essa não é uma questão menor. A educação pública perde, ano a ano, seus melhores profissionais porque estes migram para outros setores mais rentáveis. E não é o secretário de educação, o ministro, o prefeito ou o governador que vão para as salas de aula. São agentes públicos, servidores que precisam ter as mínimas condições para manter sua dignidade profissional. Segundo dados do próprio MEC, o déficit de professores formados nas áreas de exatas e biologia está estimado em torno de 230 mil vagas! Simplesmente porque os salários não atraem esses profissionais, melhor remunerados na indústria ou empresas privadas. Revolução na educação com um piso de 850 reais até 2010? Onde?(Para informação: com mais de 10 anos de trabalho, recebo 718 reais mensais)
2. Só os muito ingênuos ou os que agem de má-fé acreditam que as condições sócio-econômicas em que vivem as famílias dos estudantes não influenciam no desempenho e na trajetória escolar destes. O chamado “capital cultural” (grosso modo: ter livros em casa, acesso à Internet, ter café da manhã todos os dias, viajar com freqüência, usufruir de bens culturais – teatro, cinema espetáculos musicais, não levar bala perdida na volta da escola, etc.) tem peso enorme na qualidade da educação. Com nossos atuais níveis de concentração de renda e nossas mal aparelhadas escolas* (dados do MEC, de 2003, mostram que apenas 22,87% delas possui bibliotecas; 8,62% têm laboratórios de informática e 4,76% possui laboratórios de ciência). Cadê “revolução”?
3. Países como o Japão, Coréia do Sul, Índia e Cuba tornaram-se exemplos no campo educacional porque o Estado e a sociedade colocaram-no como a prioridade das prioridades. E o que vemos aqui? Políticas educacionais instituídas através de “canetadas” de administradores públicos, como a “Escola Cidadã” de Porto Alegre, A “Escola Candanga” de Brasília, a “Escola Plural” em Belo Horizonte e congêneres, que disseminaram a praga da “aprovação automática” (que os políticos e tecnocratas da educação preferem chamar pelo eufemismo “progressão continuada”) e que reduzem a escola pública a um centro de entretenimento fajuto. Ah, sim, temos também ONG's que ensinam percussão, capoeira e dança de rua...Adoro dançar e me arrisco de vez em quando no pandeiro. Mas pergunto: isso é educação?

Paremos com a panacéia. A educação pública, para “salvar o país” (como gostam de alardear políticos e jornalistas mal informados), precisa de muito mais. Que tal - e abuso de ironia aqui, para quem não entender - tornar as famílias menos pobres primeiro?

*Preciso reconhecer: no PDE, há intenção de universalizar os laboratórios de informática e acesso a Internet nas escolas de 5ª a 8ª série até 2010.

ERRATA: Quando escrevi anteriormente que a CNTE diz que 10% dos professores ganham em torno de R$ 1.000 , leia-se "em torno ou acima de".

4 comments:

Meneau (o insuportável) said...

Você leu a entrevista do D. Saviani, no Mais! de domingo passado? E pegou leve com idéia de capital cultural(hehehe)...Um abraço.

Anonymous said...

Paulinho, li sim. E o Saviani fala sobre a ausência de uma proposta de Plano de Careira Nacional. E eu acabei me esquecendo de também "levantar essa bola". Fora as distorções que o Ideb pode provocar... Não quis aprofundar muito essa idéia de capital cultural, porque me lembrei daqueles pedagogos idealistas e chatos da FAE(rs). Um abraço.

Marcelo F. Carvalho said...

Halem, você foi no alvo da questão! Extremamente claro e informativo. Acredito que dentro de muito pouco tempo acontecerá um colapso no ensino público por falta de profissionais e completa ausência de vergonha na cara dos que fingem pensar a educação. O governo continua "mudando tudo para não mudar nada" e nós continuamos nos reciclando, tendo várias profissões dentro da mesma. Só não nos deram o picadeiro e o pires pra pegar a esmola diária.
Abraço forte.

Anonymous said...

Marcelo, e quando esse colapso que você mencionou chegar, o que me preocupa (e acredito que a você também) é: pra onde a gente vai correr? Um abraço.

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