Friday, March 30, 2007

Jean Scharlau

Aos indiozinhos do planeta Roxo (2a. parte)


Ao descer do ônibus, seu amigo corre até ele e o abraça. Curumim primeiro deixou-se abraçar pelo amigo e depois de alguns segundos correspondeu.

- O que foi, Curumim, não estás bem?

Curumim então perguntou:
- Urucum - era como chamava o amigo da cidade desde que o vira ficar todo vermelho depois de um dia de sol pescando no rio - porque as pessoas estão tão tristes e preocupadas, e porque têm tanta pressa?
Está para acontecer algo ruim?
- Não, não - riu o amigo - aqui as pessoas são assim mesmo.
- Não pode ser! Ninguém pode ser assim o tempo todo.
- Ah, não! Quando eles chegam em casa, à noite, e no domingo, às vezes não ficam assim.

Curumim calou-se, muito apreensivo e preocupado, pois sentiu um tirambaço na alma, sentiu-a doer, soube que estavam todos errados eisto deitou-lhe em cima um peso que pela segunda vez na vida sabia não poder carregar e do qual não se livraria. Não era o mesmo tipo de peso que sentira quando morreu sua grande amiga Guaibim. Tempos depois da morte de Guaibim o peso fora se dissolvendo com a mudança das luas e com os dias de sol e agora era só uma peneira cinza que oprimia o brilho de suas emoções mais felizes. Este novo peso, ele pressentia, não se dissolveria jamais.

O pai e a mãe de Urucum moravam com ele numa daquelas altas construções dos homens tristes. A casa deles pareceu-lhe muito grande, muito bonita, porém sentiu ali um desconforto que não sabia de onde ou porque. Quiseram que ficasse num quarto só para ele, mas Curumim não quis ficar sozinho e pediu para ficar no mesmo quarto com o amigo, que na segunda noite deu o jeito de instalar lá uma rede para ele. Naquele dia o menino perguntara se podia levar um vaso de folhagens que estava no corredor do prédio para dentro do quarto. Então compraram-lhe um. Pela manhã, enquanto Urucum ia à escola, Curumim carregava sua planta para o sol da janela do quarto, sentava-se ao lado e tocava sua flauta de bambu. Ao meio-dia e meia almoçavam juntos, e era um dos melhores momentos do dia.

Curumim não entendia direito como é que eles podiam comer sem ter pescado, caçado, ou colhido toda aquela comida que punham todos os dias à mesa, quer dizer, sem que eles nem nenhum dos seus vizinhos, ou qualquer pessoa das muitas a quem perguntou o tivesse feito. Curumim perguntou a várias pessoas daquela 'aldeia' de casas empilhadas e das 'aldeias' vizinhas, mas todos disseram que recebiam a comida por outras coisas que faziam, sem precisar caçar, pescar ou plantar. Curumim ficava imaginando que do lado de fora da cidade deveria haver muitas aldeias de pescadores, caçadores e cultivadores da terra trabalhando muitas vezes mais do que o normal, só para terem o que trocar com estes da cidade, que lhes davam então maravilhas em troca de tanta e tão boa comida. Mas que maravilhas seriam essas que valeriam tanto assim? Este era um dos mistérios do qual Curumim tentava desvendar-se enquanto tomava sol ao lado de sua planta, olhando a assustadora e enfumaçada paisagem do lado de fora do quarto do amigo. Urucum tentara diversas vezes explicar-lhe como as coisas funcionavam, mas essas tentativas deixaram em Curumim a impressão deque também seu amigo nada sabia. Por isto, por gentileza, Curumim não insistira mais em pedir-lhe explicações, que o outro parecia não ter mesmo, pois elas demonstravam tanta insegurança e dúvidas quanto suas próprias especulações.

Curumim, que nadava pelado todos os dias e a qualquer hora no rio Xaporu, não entendia nada daquela história de pegar ônibus, levar toalha e carteirinha, pagar mensalidade, entrar em fila, fazer exame médico para tomar banho num quadradinho de água clara mas fedorenta que ardia nos olhos. Curumim também não entendia porque em casa passavam tanto tempo olhando para aquela "tela" onde mostravam gente se matando e brigando e coisas sem sentido onde o que não era defaz-de-conta parecia mentira. Curumim passou a achar que nunca entenderia e que nunca quereria entender esse povo, pois quando entendesse é porque já estaria triste, irritado e enganado igual a eles, e isso o apavorava.

Curumim gostava muito do seu amigo Urucum e o melhor de toda a sua viagem foi um dia em que saíram para um parque, lugar com muitas árvores, onde tomou sorvete, coisa de que gostou muito, num dia que foi todo um belo dia, quando também viu o povo de Urucum se divertir (como o seu próprio povo) tocando música e dançando na rua, uma música com tambores e flautas e violões e cantos e danças e também outras delícias que não se vê, mas se ouve e se sente e imagina.

Urucum, o menino da cidade, não se cansava de tentar achar coisas e novidades para mostrar ao amigo do mato. Com a caminhada dos dias, porém, cada vez menos o fazia para convencê-lo das maravilhas de sua vida e mais para ver o que Curumim tinha a dizer a respeito, coisas que geralmente o surpreendiam e faziam pensar na própria vida, em como a vivia e imaginar como ainda a pretendia viver. Igual àquela vez em que comentou com Curumim as maravilhas do sistema hidráulico do banheiro, onde podiam fazer as necessidades confortavelmente sentado se não de cócoras, e depois disso a melhor higiene com um chuveirinho e não com folhas do mato. Curumim, interessadíssimo e impressionado com tanto conforto e aquática abundância, perguntou ao amigo:

- De onde vem tanta água, que jorra em todos esses lugares – cozinha, pia, chuveiro, banheira, chuveirinho, vaso?
- Vem do rio, disse-lhe Urucum.
- Oh! Disse Curumim. E para onde vai a água? Perguntou.
- Bom, também vai para o rio, disse Urucum.
- Outro rio? Perguntou o indiozinho.
- Não. O mesmo rio. Com cara misturada de espanto e nojo o pequeno índio perguntou:
- Vocês despejam o cocô e o xixi no rio de onde tiram água?!
Urucum, surpreso com a simplicidade do absurdo revelado mal conseguiu balbuciar que... sim...

Nota do autor.
- Pessoal (Quero fazer parecer que tenho mais de um leitor), eu poderia dizer aqui que a infante história continua na próxima quinzena, mas já escrevi isto na quinzena passada e alguns poucos que seguiram o texto até o intervalo não gostaram do recurso. Assim digo que talvez a continue na próxima quinzena, o que de forma nenhuma eu posso garantir. A história então ficaria sem fim? Absolutamente não, pois o final já foi apresentado no título – é o planeta Roxo (quem achar que o planeta Roxo no final é um saco, só pode ser um chato).

Grato pela leitura e até uma quinzena dessas, por aí.


Jean Scharlau publica em:
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2 comments:

Anonymous said...

Jean...

Ah, Curuminho!
Doces palavras esse seu texto, gosto.
Então, mas se acaso vc quiser ter o "tesourinho" é simples, é só esperar até o sexto encontro, aí é gozo na certa.

Ou não!

Bjo

A Sacerdotisa Priscila

Anonymous said...

Bela história Jean. Continua, continua....
CONTINUA, PÔ!!!!

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