Barry Gordon - A Arte de Enxergar
El Salvador Revelado: Imagens de uma Nova Geração
A imagem que um país reflete ao resto do mundo pode ser tão importante quanto a imagem que uma pessoa tem de seu próprio país. Essa é a maior lição da exposição instalada no Miami Dade College, El Salvador Revelado: Imagens de uma Nova Geração, de Barry Gordon, atual diretor executivo do Cable-TAP, o canal de televisão da faculdade. Nos anos 80, Gordon vivia em Los Angeles, trabalhando em Hollywood ocasionalmente, e seus melhores amigos salvadorenhos contavam que El Salvador não era bem tratada pelos filmes hollywoodianos, que sua situação não estava bem descrita e que aquela não era a verdadeira imagem do país. Gordon passou a sentir uma imensa necessidade de viajar à América Central, ao menor país do hemisfério. Mesmo aconselhado pelo governo estadunidense e apesar da preocupação de sua família e de seus amigos, Gordon decidiu fazê-lo em 1985. Desde então, a imagem de El Salvador tem melhorado bastante.
O relógio que nunca funcionou
“Vejo as coisas não apenas por seu lado cultural. Gosto de observá-las culturalmente, e vi que o país tinha muito a oferecer, além das inúmeras paisagens referenciais maravilhosas”, afirma Gordon, que organizou o projeto auxiliado pelo Concultura (Consejo Nacional de la Cultura y el Arte). Quando, em 2005, passou as férias em El Salvador, encontrou-se com Dr. José Manuel Bonilla, diretor do conselho, e, já tendo previamente explicado seus planos, o encontro e deu largada a uma longa e rica expedição por toda a costa salvadorenha.
Como será que ele conseguiu telefonar?
Acompanhado de Mario, um ex-aluno salvadorenho que demonstrou interesse em participar e colaborou na organização de todo o projeto, encontrava-se com os alunos de cada cidade às 7 da manhã, todos os dias. Ensinava o uso da câmera até às 8h e, até o meio-dia, caminhava com as crianças por suas próprias vilas, levando uma câmera na mão para cada grupo de alunos. “Se tivesse levado três câmeras, as crianças provavelemente tirariam muitas fotos repetidas,” explica Gordon. Assim, alternava-se a lente e seu foco, e os aprendizes fotógrafos por algumas horas aprendiam sobre luzes, ângulos e outros truques.
Enquanto as crianças fotografavam, Barry Gordon chegou a fazer algumas fotos interessantes dos próprios alunos fotografando e, ainda por cima, filmou toda a jornada. Depois, todos se despediam, os professores almoçavam e logo partiam para a próxima vila. De 13h30 às 17h, repetiam o processo. Jantavam, viajavam à próxima vila, dormiam em alguma Casa da Cultura, ou encontravam hospedagem em casas de nativos, todos muito abertos e honrados pela visita do norte-americano e sua equipe de filmagem. Assim repetiu-se o processo até o último dia, quando Barry Gordon decidiu viajar ao Departamento de Morazán, onde fica o Museu da Guerrilha, que jamais teve a oportunidade de ver em suas visitas anteriores.
A exposição está instalada acima da livraria do MDC, North Campus, rente as salas de computação da instituição. Com os simpáticos funcionários do balcão principal, basta deixar a carteira de motorista e pegar um fone especial para ouvir a narração da fantástica jornada e apreciar as fotos feitas pelos meninos e meninas das mais variadas idades. Lá, aprendemos que uma outra equipe também aderiu ao projeto, circulando uma pequena parte central do país, já que essa segunda equipe passava a noite sempre em casa, e a rota programada por Gordon facilitava sua constante volta ao ponto de partida.
Na equipe liderada por Gordon, as fotos são diversificadas. Algumas, mostram o amigável sorveteiro, a corriqueira “pelada”, a velha bica d’água ou a marimba, instrumento de teclas rústico, tradicional em El Salvador. Outras imagens têm um teor saudoso, pessoal, que acaba se transformando em histórico, como se a todos importasse aquele relógio esquecido pelo tempo que um menino conta ter parado desde seu nascimento há 17 anos.
No dia 1º de outubro, o Més del Niño (Mês da Criança), em El Salvador, às 18h, ocorrerá a exposição no país que hospedou a jornada. “Traremos todas as crianças,” conta Gordon, “de todos os vilarejos e cidades.Teremos um DVD, e distribuiremos diplomas simbólicos às crianças que participaram no projeto. Estou até pensando em mandar fazer algumas camisetas, alguns brindes...”
Barry Gordon e três de seus alunos por um dia
A exposição não deve contar com a mesma narrativa do professor, mas o áudio entrará em cena, talvez, apenas com os depoimentos das crianças, que também figuram no MDC, North Campus. A exibição será realizada no Teatro Presidencial, uma verdadeira honra para Barry Gordon, o fotógrafo Mario, as crianças que participaram do projeto e para todo El Salvador, que, definitivamente, se enaltece e é enaltecido por todas as pessoas envolvidas e testemunhas desse projeto.
A imagem de um país começa de dentro para fora, mas, às vezes, é preciso que de fora ressurja alguma inspiração, como a que Barry Gordon deu ao menor – e agora grandioso – país da América Latina. Por que não ajudá-lo a trazer o projeto ao Brasil? O grande – e tão complexado – país certamente o agradecerá.
O projeto de Gordon é aplicável ao mundo todo. El Salvador foi palco de guerras sangrentas e marcos históricos obscuros, como qualquer país. Gordon pretende alcançar dois claros objetivos realizando-o por toda a América Latina, África, Ásia, Oriente Médio, Europa ou Oceania. O primeiro é mostrar uma imagem diferente da região escolhida. Em segundo lugar, Gordon pretende incentivar uma melhor auto-imagem aos nativos da escolhida região.
Quando decidiu concretizar o projeto, o professor sabia que não queria fotos políticas, jornalísticas, ou turísticas. Precisava de uma nova perspectiva, nunca antes usada, ou ao menos nunca antes propriamente divulgada. Quando ensinou às crianças e adolescentes o uso das máquinas fotográficas, subia nas cadeiras e pedia que se aproximassem e percebessem a diferença que existe entre sua imagem vista de uma perspectiva comum e daquele ângulo, de cima para baixo, enaltecendo o tamanho e a importância da figura do próprio professor. Pois essa tornou-se, enfim, a primordial lição de todo o processo que culmina na exibição, hospedada pelo MDC, North Campus desde meados de fevereiro.
Todos aprenderam muito mais do que o manuseio de uma câmera comum com um filme de 35mm, preto e branco. Aprenderam a dar mais valor às próprias vilas, essas que abrigam suas famílias desde muitos anos antes de seus nascimentos. Quando Gordon passava por alguma ruína, assumia a consciência de apontá-la e questionar: “Quando vão restaurar este prédio? Quando restaurarão esta venda?” As crianças procuravam suas respostas, mas sabiam que, se não elas, ninguém reconstruirá suas vilas ou se lembrará da rica história de suas regiões.
O Brasil precisa disso, certamente, e Barry Gordon já avisa: “Estou estudando português há três semestres e pretendo visitar o Brasil em breve”. Através da divulgação de seu projeto, Gordon pretende organizar uma expedição a algum estado ou, quem sabe e por que não, a todo o país.
Amantes da fotografia, manifestem-se!
3 comments:
Cumé que é? Esse troço sai ou não sai? Menos festa e mais trabalho.
Roy
É sempre um prazer visitar este canto aqui.
Abraços
Um outro olhar. Belo trabalho.
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