Thursday, May 17, 2007

Professorinha Silvia


Educar para a Cidadania?

Passamos horas, dias, semanas com os nossos alunos dentro da sala de aula... Passamos horas, dias, semanas a ouvir as pessoas denegrir os professores e apontá-los como os responsáveis de uma geração cada vez mais ignorante e desregrada... Passamos horas, dias, semanas a tentar ensinar aos nossos alunos o que é certo e errado... E passamos horas, dias, semanas, a ver o nosso trabalho destruído pela sociedade que temos...

Quando entrei em estágio pedagógico, a minha orientadora fartou-se de pregar a "educação para a cidadania" exigindo que as nossas aulas tivessem um carácter social de modo a que o que ensinássemos pudesse ser usado pelos alunos quando estes entrassem na vida activa. Tentámos de várias maneiras fazê-lo e parece-me que, naquele tempo e naquela escola, ainda conseguimos atingir alguns alunos e vimos que os nossos ensinamentos tiveram algum resultado prático. Ficámos contentes e sentimo-nos recompensadas pelo nosso esforço e esperançadas num futuro risonho de ensinar alunos e vê-los aprender com gosto.

Tentei, ao longo dos 7 anos de ensino que se seguiram, continuar com a mesma linha: ensinar para a cidadania... No entanto, este ano apercebi-me de que é, à partida, uma batalha perdida. Já tinha desconfiado há uns tempos atrás após ter visto uma reportagem sobre alguns indivíduos (de raça cigana - não que seja importante a raça em si mas porque o pormenor da raça também se aplica no caso que me fez dar conta da inutilidade do meu esforço) que viviam dos mais de 700 euros de rendimento mínimo que recebiam todos os meses sem trabalhar. Quando ouvi o presidente da Câmara da cidade em questão (cujo nome não recordo de momento) dizer "Não podemos exigir a indivíduos sem uma certa formação o que exigimos ao cidadão normal" (não sei se foram ao certo estas as palavras, mas o sentido é este), fiquei revoltada. O senhor presidente proferiu estas palavras quando foi confrontado com o facto de os indivíduos de raça cigana em questão conduzirem pelas ruas da cidade sem terem sequer a carta de condução e não sofrerem qualquer tipo de consequências ou sanções que um cidadão, apelidado de normal pelo presidente, sofreria se fosse apanhado nas mesmas circunstâncias...

Ora, como pode um chefe de uma autarquia, que deve dar o exemplo aos cidadãos (todos e não só os que ele apelida de normais), dizer que há uma lei para uns e uma para outros? Dizer que podemos exigir mais a uns do que a outros em termos de comportamento em relação à lei? O que estamos a passar para a geração que nos segue?

Devo dizer que esqueci a questão até à semana passada. Desde o início do ano, como de costume, tenho tentado incutir nos meus alunos a noção de que se com estudos está complicado conseguir um emprego, sem estudos será muito mais difícil. Tentei também incutir-lhes que eles não podem continuar a achar que podem fazer o que querem, quando querem e com quem querem sem que haja consequências pois no mercado de trabalho as coisas não funcionam bem como na escola em que os professores lhes dão oportunidades atrás de oportunidades.

Isto até ao dia em que, confrontada com a vontade de um aluno meu desistir da escola, lhe disse que sem o 9º ano de escolaridade ele não poderiam tirar a carta de condução. Ele respondeu-me rapidamente: "Então e depois?? Faço como os ciganos que andam aí a conduzir sem carta e ninguém lhes faz nem diz nada! Se eles podem eu também!" (a zona onde dou aulas tem uma comunidade cigana que se está a tentar integrar na escola e com a sociedade)

Que posso eu fazer para combater isto? Será mesmo que devo continuar a tentar educar para a cidadania? Que cidadania? Que sociedade é esta que destrói o meu trabalho (quando digo meu refiro-me também a todos os professores que tentam o mesmo que eu) ou a minha tentativa de educar permitindo que alguns indivíduos possam andar por aí imunes à lei? Afinal, quem são os responsáveis pelo estado dos nossos jovens? Os professores?


Nota: volto a insistir no facto de o facto de eu me referir à raça cigana nada tem de xenófobo nem desse facto podem inferir que eu seja racista. Apenas refiro a raça cigana pois foi nesse contexto que os casos a que me refiro tiveram lugar. Refiro também que, como em qualquer raça ou credo, há bons e maus elementos e que o que tento dizer com o meu texto é que o que se passa com a nossa sociedade não é culpa dos ciganos ou dos negros ou de qualquer outra raça. A culpa é nossa... Estamos cada vez mais permissivos, não impomos leis, não impomos respeito, não impomos nada pois temos uma ideia, que eu considero errada, de liberdade que advoga que todos podem fazer o que querem e que não deve haver consequências..

3 comments:

Anonymous said...

Aqui no Brasil a dificuldade é incutir nos jovens a idéia de que vale a pena seguir o caminho do bam, da justiça e da ética, quando homens públicos, políticos, empresários e até mesmo juízes, prosperam à sombra da impunidade e falcatruas várias. Estamos voltando à barbarie. Salve-se quem puder.

peciscas said...

Fui professor até há pouco e posso dizer-te que após quase quatro décadas de trabalho, o sentimento de desânimo é de facto evidente.
No entanto, temos que pensar que, apesar de tudo, vale a pena insistirmos. Porque, se não for a escola a pssar essas mensagens de educação cívica e cidadania, quem será ?!

DE-PROPOSITO said...

Um texto 'que me deixou a pensar'.
E não sei que mais dizer.
Fica bem.
Manuel

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