Thursday, May 17, 2007

CLAQUE-TE!


O Cinema vira um grande “mosaico”: contando várias histórias num único rolo.
Roberto Queiroz

Nas últimas décadas o cinema internacional transformou-se numa fonte inesgotável de idéias e produções. Aumentado nos últimos anos por uma jovem geração de cineastas promissores, roteiristas e produtores tem se desdobrado cada dia mais para criar enredos complexos e, muitas vezes, múltiplos. Os filmes de narrativa simples, fechada, com base num único protagonista ou um casal de personagens (em sua grande maioria casados ou interessados romanticamente um no outro) foram dando lugar a produções cuja capacidade de alternar e multiplicar histórias é evidente desde o primeiro fotograma. E o resultado desse mosaico é uma grande vitrine de sentimentos os mais variados (paixões, conflitos, duelos, armadilhas, etc) de todos os tipos que se digladiam e se complementam a cada take, sem perder, com isso, a sua dose de neutralidade em cada sub-trama e sua capacidade de surpreender as platéias.

O diretor recentemente falecido Robert Altman – gênio por trás de filmes como M.A.S.H e Nashville – tornou-se lendário por esse tipo de cinema entrecortado e, por conta disso, vem sendo largamente copiado e seguido, criando uma filmografia bastante original que funde várias histórias dentro de um mesmo espaço físico. Os exemplos disso são produções geniais como Short Cuts – Cenas da Vida, baseado no romance do escritor americano Raymond Carver; Assassinato em Gosford Park, onde um crime é investigado de maneira bastante inusitada e seu último filme A Última Noite, sobre uma rádio americana que se tornou famosa pela difusão da música country. Nesses filmes, o diretor funciona como um grande cronista dos costumes, lamentos, incompreensões e desafios da sociedade (seja ela norte-americana, inglesa, etc).

Apesar das críticas à irregularidade em sua carreira – por não ter conseguido realizar grande parte de seus projetos mais ambiciosos -, Altman deixou sua marca na história do cinema mundial sem precisar ter lançado ou ser citado por um determinado personagem grandioso (como aconteceu com John G. Avildsen o primeiro filme da franquia Rambo, Steven Spielberg e seu E.T, George Lucas e seus célebres Luke Skywalker e Darth Vader, entre outros). Na cinematografia do diretor o que conta são os entrelaçamentos das histórias e não necessariamente os atores que os interpretam.

Por conta dessa nova premissa de construção cinematográfica (baseada na multiplicidade de narrativas), muitos seguidores do estilo surgiram, produzindo obras interessantes: é o caso de Traffic, de Steven Soderbergh, que nos apresenta um retrato mordaz e perturbador do narcotráfico; o recente e polêmico divisor de opiniões Crash – No Limite, de Paul Haggis, onde o cineasta e produtor mostra de forma fragmentada e inconstante as diversas faces do preconceito e do racismo contemporâneo (seja ele étnico, religioso, etc); a produção independente Pesadelo Americano, de Aric Avelino, sobre o universo bélico dentro da nação norte-americano e as vítimas que ele é capaz de fazer da maneira mais brutal possível e a trilogia do diretor latino-americano Alejandro González-Iñárritu (que vem se especializando no gênero, quem sabe desejando assumir a cadeira deixada vaga pelo mestre Altman): Amores Brutos, 21 Gramas, Babel.

E o que têm em comum todos esses filmes que tanto vem atraindo multidões às salas de cinema? Eles não se limitam a destrinchar a vida de um único personagem, explorando suas virtudes e defeitos. O que seus diretores desejam é que todos os atores se misturem, troquem confidências, dividam suas mazelas, participem – mesmo que de forma breve – nas vidas uns dos outros (ou seja, uma aproximação daquilo que vemos diariamente na vida real), enaltecendo seus conflitos, ingratidões e dificuldades. Mostrar até que ponto nossas vidas estão todas entrelaçadas. O quanto um depende das decisões do outro.

Os diretores mais clássicos, avessos a essa vertente cinematográfica, apontam esse tipo de produção como o “fim do filme tradicional”, vindo a transformar a sétima arte numa enciclopédia de histórias ou mesmo numa novela (se seguirmos os moldes da América Latina) exibida na tela grande. Honestamente, não creio nessa possibilidade. Acredito que o cinema ainda tem um enorme papel a cumprir, porém não tem mais tanto tempo a perder focado num só ponto. Por que trabalhar somente um aspecto da questão quando existem tantas opiniões diferentes a serem discutidas? O volume de informação hoje é tão grande! O resultado dessa discussão só será sentido daqui a alguns anos (há quem creia em décadas). Perguntas como qual será o novo modelo de roteiro cinematográfico daqui pra frente? Haverá espaço para que os atores construam personagens célebres, grandiosos, muitas vezes capazes de venderem um filme sozinho? Haverá discórdia por bons papéis dentro da classe artística? Ou será que no final das contas quem lucrará com tudo isso é o espectador que poderá estar diante de várias atuações majestosas dentro de um único filme? Aguardemos, pois nada mais nos resta a fazer...
Aguardar, de preferência numa sala de projeção segurando um enorme balde de pipoca.

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