Thursday, September 14, 2006

Venus Contra-Ataca



Plutão da Cara
Por Camila Canali Doval

Estou aqui pensando em como Plutão deve estar se sentindo. Será que já assimilou o baque? Será que já se deu por conta de sua nova situação? Plutão deixou de ser planeta. As cartilhas de todas as escolas mudarão. Ou não mudarão, por falta de verba, e as crianças terão que riscar Plutão do sistema solar com seus próprios lápis por tempos infinitos. Nunca será esquecido. Nunca descansará em paz. Seu rebaixamento será sempre revivido a cada vez que a professora chamar a atenção dos alunos para este “detalhe”: risquem Plutão, queridos, pois Plutão já era. Pobre Plutão. Ainda lá, mas não o mesmo.


Existem, agora, dois caminhos para Plutão. O primeiro é conformar-se com seu novo status de planeta-anão. Afinal, o que importa o título? O cargo? O conceito? Você é o que você é e os astrofísicos podem mudar o quanto quiserem sua posição nas tabelas, porém sua essência... Sua essência não está ao alcance de nenhuma classificação. A não ser, é claro, que o que vem de fora atinja o que está dentro de tal forma que o big bang desloque irremediavelmente o centro de sua gravidade. Tem gente que é assim: um planeta em si mesmo, não se importam com o que dizem por aí, não precisam de ninguém.


Agora... E se Plutão optar pela REAÇÃO? E se ele achar que não é bem assim? Que nós, terráqueos, não temos o direito de fazer e desfazer da vida dele? Que ninguém, muito menos um mero ser humano, tem poder para apontar o dedo e dizer “ei, você não é planeta!” E se Plutão resolver que não gostou nenhum pouco dessa história de desclassificação, que ninguém é melhor que ninguém e que vai mostrar para a gente quem é que manda aqui? Ai ai ai. Ninguém segura um astro plutão da cara.


Embora Plutão possa “não estar nem aí” para o que se fala dele aqui na Terra, a nossa existência está correndo riscos sérios por causa da mudança. Plutão não é mais planeta! O que aprendemos, decoramos e aceitamos como verdade absoluta simplesmente foi desfeito. Todos os colegas que na aula chamamos de plutões, todos os desenhos que fizemos com escalas absurdas para ressaltar seu diminuto tamanho, todas as horas decorando a ordem do Universo para não bombar na prova... Acabou, não é mais. E a astrologia? O que será dos pobres coitados regidos por Plutão? Existe terapia para rebaixamento astral?


Ora... O que precisamos entender é que essa é a nossa chance. O povinho do planeta água pode dizer que tudo agora é culpa de Plutão. Batemos o carro? Plutão está fora de órbita. Fomos grosseiros? Plutão desequilibrou a Via Láctea. Traímos a pessoa amada? Plutão saiu do eixo. Deixamos um amigo de lado? Plutão anda girando ao contrário. Passamos por cima de um mendigo sem a menor piedade? Plutão caiu no buraco negro. Jogamos uma bomba no país vizinho? É Plutão, esse danado, que não nos deixa viver em paz. Plutão, Plutão, Plutão. É só botar a culpa em Plutão. Até chegar atrasado no trabalho é perdoável, já que Plutão anda botando tudo de ponta cabeça.


Bem, todas essas hipóteses são apenas hipóteses. Por enquanto, nada aconteceu. Se gente tem a triste mania de ouvir as coisas calados, de aceitar, de acatar, de se submeter, por que seria diferente com Plutão? Por que ele reagiria diante de uma injustiça, de uma agressão? Por que ele lutaria por direitos que talvez nem saiba que possui? Por que deixaria de engolir a humilhação e partiria para o contra-ataque? Por que costumamos exigir dos outros reações que nós mesmos nunca teremos? A gente não gosta das coisas como estão, mas não nos desviamos de nossa rota para mudá-las. Talvez, no máximo, para desviar. Falta REAÇÃO para todo mundo. Reação para votar, para amar, para criar. Reação para movimentar. Reação para inventar, para refazer, para desfazer, se for preciso. Reação para melhorar. Para não deixar como está. Qual o problema em mudar? Nenhum, se a mudança for para melhor. Se a mudança for para o bem. Se a mudança fizer sentido. Se a mudança não for de 6 por meia dúzia. Se a mudança não for simplesmente uma questão de nomenclatura. Ou de sigla...


Para mim, Plutão está lá no canto espacial dele, muito triste da vida, muito calado, muito cabisbaixo, não com a nova titulação, mas com o pouco caso que foi feito dele. Plutão deve estar se sentindo ainda menor do que insistem em dizer que ele é. Tanto tempo figurando nas lindas pinturas do sistema solar! Tanto tempo fazendo parte da nossa vida, da nossa história, do nosso Universo! Plutão deve estar com um beiço enorme, sem querer botar a cara no céu, contando estrelas e choramingando para seu velho amigo Caronte o quanto essa gente da Terra é ingrata e mesquinha. Usaram, usaram, usaram e agora jogam fora, sem nem pestanejar. Depois eles é que são pequenos. Depois eles é que são frios. Depois eles é que são estranhos demais para serem planetas.


É, Plutão...



Camila Canali Doval, provável escritora, futura mãe de pequenos Caios, moça de família de comercial de margarina, quase formada em Letras, blogueira de plantão, taurina em alto grau (vide defeitos do signo), 26 anos de idade, infinitos de sonhos, incansáveis de busca, repletos de vida. Uma mulher de sardas assumida, apaixonada e feliz até onde pode e, olha, pode muito.

Mais de mim, aqui

cami_dbr@yahoo.com.br

2 comments:

Anonymous said...

Não vai demorar muito e a geração futura vai ter só uma idéia a respeito de Plutão... que ele era o avô do cachorro do Mickey.

Reaja, Plutão!

Belo, texto!

Abraço e sucesso aqui no Reação!

Claudinha ੴ said...

Oi querida! Vim conhecer este espaço. Um texto típico da mulher de sardas, ótimo! Olha, eu gostaria até de bater um papo com Plutão, dar uma força, afinal tudo é por causa das convenções que nós, humanos, resolvemos fazer. Ninguém realmente pensou no que ele acharia e ainda, no que muita gente aprendeu desde pequeno. Ahhh acabaram com a magia de minhas lembranças de quando estudava planeteas,rsrs. Beijos! Adorei o texto!

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