Thursday, September 14, 2006

Canto dos Versos



ONZE. AINDA ONZE
Por Joaquim Santos









Onze. Dois paus alinhados fazem um número.
Onze. As pupilas fechadas nos olhos do gato por nós fitadas,
quando a luz é plena,
no olhar da serpente, na hora relâmpago
da mordida.


Da Mesquita soa a voz que, cantando, chama à oração.
Sob um céu sossegado, promete a paz,
na adoração apaixonada, rendida, a Alá.
Mesmo de pé, já nos curvamos por dentro, submissos,
porque Allah U akbar.

Da grandeza de Alá fala o espectáculo demoníaco de mais de 3000 vítimas num só dia de morticínio,
entretidas na inocência de trabalhar enquanto vivem.

A ferida ainda não fechou,
por isso, não existe ontem nem hoje.

O entulho vai caindo ainda fragorosamente,
a poalha vai assentando ainda nas avenidas em torno das Torres,
ainda está suspensa a nossa expectativa estupefacta após o primeiro impacto, após o segundo;
os passageiros que vão morrer ainda aguardam nas aerogares;
as perspectivas do que se passou na sintonia com as vítimas
correspondendo a milhões, no mundo, simultaneamente a pensar e a sofrer um mesmo «porquê?»
ainda não foram accionadas.

Na pele dos passageiros,
já em voo, vemos os que se erguem com as lâminas que nos paralisam de pânico e estupor,
a tomada brusca do cockpit,
a mudança de rumo.
Será um desvio típico, por dinheiro,
como chamada de atenção para algum povo invisível
na sua economia, na sua obscura e desprezível causa?

Os nossos corações batem agora tão descompassados.
Seca-se-nos a boca.
Cola-se-nos a língua como se fora papel.
Some-se-nos a saliva tão completamente como se no deserto sob o sol escaldante.
Humedecem-se-nos os olhos porque sentimos o perigo inapelável,
a intuição de todo o horror.

O avião segue agora nervoso, num voo atípico, quase errático, à procura de alguma coisa.

Agora empalidecemos ainda mais.

A pouco e pouco a Nova Iorque cresce para nós e, lá longe, divisam-se já os mais altos arranha-céus,
esplendendo em rebrilhos ao sol matinal,
visão mágica, atraente, mas maligna, mas horrível.
Enquanto a aeronave curva, descendo,
vemos lá longe crescendo mais e mais a silhueta das Torres Gémeas na promissora Manhatten,
agora há uma aceleração decidida e voamos ainda mais baixo.

Que tempo para rezar?
Que tempo para dizer adeus a quem tanto, mas tanto, amamos?
Agarramo-nos a qualquer coisa, à cadeira, às mãos ao lado que se entrelaçam nas nossas.
Esfria-se-nos o rosto, o corpo enrijece.
Num desespero impotente,
cruzamos os braços contra o peito.

Neste não saber nem de grito nem de silêncio,
suspendendo o respirar, mordo os lábios.
Pulverizar-nos-emos em fogo numa fracção de nada,
nem maldição nem bênção mora dentro de mim,
tudo se precipita,
os edifícios avançam para nós, agigantam-se,
os motores rugem num crescendo doido,
antecipo o estampido,
a explosão,
não fecharei os olhos.
abertos neste trânsito…
onde em paz e em fúria ranjo os dentes!

Somente alguns segundos,
Três, dois, u… akbar.

Há dias em que somos todos palestinianos, chechenos ou darfurianos.
Outros em que somos todos norte-americanos.

América, magoada, ainda pasma e ainda sofre.

A aldeia invadida teve as mulheres violadas e os homens passados ao fio da espada.
Mas não é ainda tempo de fazer desta frase uma coisa exclusivamente metafórica e nunca literal.
O tempo é de guerra quente, complexa,
travada por imãs sanguinários e por políticos anões.

A Potência que até aí nunca se interrogara
ou valorizara o que passa pela cabeça do homem africano, quanto mais médio-oriental,
que nunca se detivera sobre a língua e a mentalidade do persa, do árabe,
para quem ‘xiitas’ e ‘sunitas’ eram palavras tão esvaziadas de sentido como o resto do mundo para um texano,
menos importantes que o oil de cada dia,
descentrou-se e, a pouco e pouco, sai da letargia,
compreendendo o incompreensível:
«Por que nos odeiam?»

O mundo alargou-se para a Potência, como num parto ainda mais doloroso.
Entre a vingança e a perplexidade, entre a ilha de excepção sádica Guantanamo,
e o sangue que mana quotidiano na Mesopotâmia,
a política serve-se fria e mal-passada, hoje.

O suicídio é sinal de agónico fim.
O Fim é um menu apocalíptico.
A sociedade da Sharia está moribunda,
debate-se com a modernidade.
A modernidade está refém.


Yehoyaquim Santos


















Nasci numa terra litorânea portuguesa em pleno noroeste ibérico e, antes de olhar para o mundo, já ganhava raízes e apegos apaixonados a essa pequena parcela de mundo, sonhando em voar só com a força da vontade e sem motores, enquanto olhava um céu sempre povoado de aviões comerciais, pardais e outros pássaros num voo baixo ruidosamente invitativo.

Quando entrei para a Escola e aprendi as primeiras letras, logo fertilizei as folhas de papel com quanta imaginação me habitava. Depois cresci e aprendi que as folhas escritas é que me fertilizavam a mim e me pediam voz que as vivificasse num drama de alma lido. Por isso profetizei-me poeta e profeta num mundo onde o voo não se corte e os muros um a um se derrubem. Depois a licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas na Faculdade de Letras do Porto, o ensino do Português, agora o mestrado em Literatura e Cultura Comparadas, mais tarde e sempre o texto com alma e sabor dentro.

A sátira e a verrina interessam-me mas só se perante violações da ética e do bem comum planetários: os interesses obesos corporativistas e exclusivistas globalizadores estão a entediar o mundo de injustiça crassa e é preciso intervir, denunciar, alargar, de corpo e alma, a fronteira de bem-estar, desenvolvimento e portanto de pacificação das sociedades mais confltuosas. Cocktails Molotov? Só os de ideias feitos. A crónica e o poema são as únicas baionetas, os únicos mísseis admissíveis. Explosões suicidárias? Só se forem orgasmos, mas apenas por serem pequenas mortes em que nunca se deveria pequeno-morrer só, mas a sós, ele e ela, tu e ele, tu e ela, e é com tais armas e a esse combate que vou, é a ele que me associo aqui, no Pasquim.

Pela mahatma-ghandização do mundo e, portanto, também pela sua urgente desbushização cowboyesca!


Joaquim Santos

1 comment:

Anonymous said...

Clap, clap, clap, clap...Bravos, Joshua!

Sucesso aqui no Reação!

Abraço

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