Monday, January 29, 2007

Filosofia de Vinicius

A decadência paulistana

Depois da cratera formada no terreno de construção da extensão Pinheiros do metrô em São Paulo, a prefeitura e o governo terão de enfrentar um dos maiores desastres infra-estruturais que uma cidade já teve de enfrentar.

São Paulo é uma cidade roleta russa. Se fizéssemos uma lista macabra das tragédias do cotidiano paulistano, teríamos, por exemplo, roubo, atropelamento, estelionato, carro riscado, enchente, ônibus atrasado, desemprego, poluição, congestionamento, Kassab, José Serra...


Num dia, chega um amigo de faculdade todo suado na sala de aula. “O maldito trem quebrou e fui a pé da Mooca até o Brás”.

Noutra oportunidade, tragicamente, um amigo é morto por bala perdida num roubo a carro forte. Seu erro foi estar ao trânsito, esperando o semáforo abrir, às 11 da matina, quando ladrões e seguranças colocaram suas armas para funcionar. “Uma bala perdida/ encontra alguém perdido/ encontro abrigo no corpo que passa por ali/ E enterra tudo/ estraga tudo/ pá de cal/ que enterra todos na vala comum de um discurso liberal” segundo Engenheiros do Havaí (fiz a citação puxando pela memória).

Uma amiga teve uma conta bancária aberta em seu nome e só foi saber do mesmo quando, a fim de expandir seus negócios, descobriu a inscrição de seus dados em órgãos de defesa de crédito. Era mesmo de se imaginar que o senhor estelionatário não faria a delicadeza de pagar as dívidas bancárias feitas em nome alheio...

Para sair de casa, volto as minhas origens indígenas, porém, às avessas: faço “dança da não-chuva”. Orações, santinhos, promessas... tudo para que não chova. Quando eu era criança e vivia num sítio (sim! Este ser cheio de mágoas que vos escreve teve uma infância feliz num lugar tranqüilo!), era um lazer ficar vendo a chuva. Chovia divinamente e as pessoas diziam que o “tempo estava bonito”. Na vida adulta em São Paulo, o costume se repete: com a chuva, falta luz, telefone, água (curiosíssimo como um fenômeno pluvial ocasiona, justamente, o desabastecimento de água) e a cidade alaga. Só resta mesmo é ficar vendo o temporal bater maldosamente na cidade. Estou distraído quando o zelador do prédio solta a antítese das chuvas da minha infância: “Que tempo horroroso!”

Toda roleta russa respeitável zela pela angústia do inesperado. O que se falta prever em São Paulo? Enchentes, transporte público falido e violência acabam compondo, tristemente, uma rotina. Mas o que dizer do desmoronamento nas obras da estação de metrô de Pinheiros? As pobres vítimas do acidente não tinham como contar com mais esse risco. É bastante provável que todos, sem exceção, tenham tido cautelas com outros perigos citadinos. Mas como ultrapassar os desafios imprevistos de uma cidade hostil à cidadania?

E, afinal de contas, como se dará a responsabilização pelo acidente?

Ou se dirá que as causas foram tantas e tão complexas que se inviabilizará a responsabilização administrativa, civil e mesmo criminal?

Mais duas observações e encerro logo este texto que se alongou. Para o bem e para o mal, não assisto adequadamente à televisão faz anos, de modo que não acompanhei integralmente a cobertura do acidente. Tanto é que, se eu estiver errado, faço as devidas correções em ocasiões futuras. Entretanto - e aqui vai a primeira observação - o que me chamou a atenção foi que as empresas contratadas não deram o ar de sua graça no esclarecimento dos motivos do desabamento. Tão pouco seria de se esperar a nobreza por parte do consórcio em manifestar as medidas adotadas quanto às vítimas e danos causados aos moradores próximos.

Aparentemente, a iniciativa privada acabou poupando sua imagem, deixando no ar a impressão de que a responsabilização será unicamente da Administração Pública. Não que eu morra de amores pela gestão municipal e estadual, mas os chefes dos respectivos executivos poderiam, na primeira oportunidade, esclarecer que a responsabilização também é das empreiteiras contratadas. É apenas uma idéia minha, mas pode ocorrer o deslocamento inadequado das responsabilidades da iniciativa privada exclusivamente ao poder público... E todos os prejuízos podem acabar por conta do erário público.

A última observação é, pelo que se noticia, que o sindicato dos metroviários advertiu previamente sobre os riscos da obra. E mais: que durante a licitação, o governo paulista cedeu à pressão das empreiteiras, permitindo que elas mesmas fiscalizassem as obras. Afinal de contas, nosso governo estadual reluta em permitir ingerências dos próprios trabalhadores...

1 comment:

Anonymous said...

Excelente texto!
Parabéns!

Convite ao Nosso Yahoo Grupo! Participe e debata!

Povo do Reação Cultural, Agora com uma gestão modernizada e o uso da mais alta tecnologia, contamos com um grupo de discussão pela internet. Pelo grupo, além de receber as tradicionais edições do Reação Cultural, o internauta também poderá debater melhor algumas questões, além de conhecer novos contatos. Para se cadastrarem, basta enviar um e-mail em branco para reacao_cultural-subscribe@yahoogrupos.com.br e faça parte do nosso grupo. Atenciosamente. Reação Cultural Editores

Os Imperdiveis!
Leia o Monblaat!
Maiores detalhes, escreva ao Fritz Utzeri

flordolavradio@uol.com.br

Leia a Zine do Pirata!
Para receber por email, escreva ao Pirata

diariopz@uaivip.com.br

Visite seu blog acessando a:

www.zinedopirata.blogspot.com


Leia O Lobo (Fausto Wolff)

www.olobo.net