Monday, December 11, 2006

Coluna do Jens


Os homens e os seus velórios
Por Jens

“Conheci os homens e os seus velórios
Quando olhava da janela lateral
Do quarto de dormir”
(Janela Lateral, de Milton Nascimento e Fernando Brandt)

(Foto: ArteMaya, clique aqui)
Na memória que ficou da infância eram sempre ensolarados e coloridos aqueles feriados do Dia de Finados. Eram dias em que todas as coisas eram invariavelmente fustigadas por um vento teimoso e abusado que levantava a poeira das ruas, entrava nas casas e acentuava a melancolia das horas passadas em silêncio. (São os mortos passeando entre os vivos, asseveravam os mais antigos).
Era obrigatório o silêncio reverente em homenagem aos que se foram. As rádios só tocavam música clássica. A nós, então crianças, era recomendado moderação em respeito aos mortos. Brincadeiras, só os jogos de damas, ludo ou víspora – estando terminantemente proibida as explosões de alegria por uma eventual vitória. Em casa, por vezes, o silêncio era interrompido pelos soluços de saudade de alguém ainda não conformado com a ausência de um ente mais querido.

Morria-se muito, naquela época. Ou melhor, a impressão que tenho é que freqüentemente morria um familiar ou um conhecido. Em Ipanema todos se conheciam e quando de algum falecimento o comparecimento ao velório era uma obrigação social que mobilizava todo o bairro. Passava-se à noite velando o corpo, sempre em casa – as capelas mortuárias não existiam então. Os homens conversavam, tomavam café, comiam bolinhos, fumavam e alguns, os mais sensíveis, bebiam cachaça. As mulheres, trajando preto dos pés a cabeça, choravam, carpiam e faziam café e bolinhos para os homens.
Na hora de encomendar o corpo, padre Antônio surgia com suas vestes em preto, roxo e branco. Dizia algumas palavras em latim (como era bela e misteriosa a missa rezada em latim), fazia o sinal da cruz e comandava o Pai Nosso.

De minha parte ficava vivamente impressionado com o momento solene em que fechava-se o caixão – as mulheres se desesperavam, uivavam de dor, eram contidas à força na sua intenção ser enterradas junto com o morto. Os homens mais sensíveis, já bêbados, agarravam-se ao ataúde e teciam elogios desbragados ao companheiro ou amada que partia. No cemitério o ritual de dor se repetia, enquanto o coveiro fazia seu trabalho.
No Dia de Finados, além da missa das dez, outra tarefa obrigatória era a visita ao cemitério da Vila Nova. As ruas do bairro animavam-se, contrastando com a tristeza no interior dos lares. As pessoas iam e vinham. Todas conhecidas. “Já foste?” “Não, estou indo”. “Vou à tarde.” O cemitério era colorido. Os túmulos, os imponentes dos ricos e as covas simples dos pobres, eram ornamentados com flores e velas. Amigos se reencontravam. Relembravam. (A tradição era tão arraigada que minha irmã e meu cunhado, anos depois de terem se mudado para Florianópolis, nunca deixavam de vir a Porto Alegre no Feriado de Finados, para encontrar os amigos – vivos e mortos).
Os feriados de Finados, naqueles dias, tinham essa função: lembrar os que já se foram. Com reverência.

José Edi Nunes, o Jens

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