Sunday, November 12, 2006

Venus Contra Ataca



O Outro

Por Camila Canali Doval

A violência nos corrói. Não somos mais nós mesmos; somos o medo. Não podemos agir conforme nossos instintos, correr pelas calçadas, devanear pelas madrugadas, voltar a pé para casa, ficar de bobeira no meio da praça. A violência nos corrói aos pouquinhos, tolhendo nossos passos, encolhendo nossos atos, impedindo nossa plena existência. Viver é uma ameaça e sentimos medo.

Todos nós sabemos que o fim está na morte. Mas, em nossos planos - aqueles planos que vivem na herança genética e no inconsciente coletivo - a morte está realmente no fim, na última página, no momento em que o corpo cansa e pede água: A velhice. Morrer velho, pleno, sereno. Não mais um plano; um sonho.



Queria morrer velha. Queria que minhas pernas fraquejassem, que o meu coração falhasse, que a minha mente retornasse à infância, para que a minha última lembrança deste mundo fosse um imenso e divertido play ground. Não lembraria de nenhuma dor que vivi, não lembraria nem de quem amei, só pensaria em o quanto é delicioso ficar assim, ao sol, balançando as pernas no ar.

Sonho. Morrer velha é um sonho que acalento com ardor. Que meus pais morram muito velhos, que meus filhos morram muito velhos e muito depois de mim, que todas as pessoas do mundo possam viver bem e até o fim. Assim é que seria certo.

Pois eis que o sonho substituiu o plano. O plano, hoje, é voltar para casa mais uma vez. É encontrar a família todas as noites. É não receber más notícias sobre os amigos. É ter a chance de reencontrar aqueles que saem porta afora.

A violência nos corrói assim, pelo antes. Pela espera. Pelo medo. Quem nasce hoje, não terá mais o mesmo sonho que os antigos. Não pensará mais na velhice. Quem nasce hoje conhece o quão bamba é a corda. Quem nasce hoje não perderá a ilusão simplesmente porque nem chegará a conhecê-la.

Fatalismo? Onde? Não estou vendo. É assim que me sinto. Frágil. Exposta. Medrosa. Medrosa por mim e por todos que amo. E por todos que não conheço, mas esbarro pelas ruas, assisto na tv, imagino a existência em algum lugar do mundo. Temo pelas mortes cruéis, prematuras, violentas. Temo pela orfandade, viuvez, saudade. Temo pelos atentados, bombas, chacinas. Temo pelos assaltos, seqüestros, vinganças. Temo pelos estupros. Temo pela falta de coração. De humanidade. De amor. Temo por tudo o que um ser humano é capaz. Temo pela política, pela desigualdade, pela inanição. Temo pelo desprezo, ignorância, egolatria. Temo pela culpa de cada um. Temo pela minha culpa. Temo, acima de tudo, pela falta de sonhos.

E por isso eu procuro não me afastar da Beleza. É nela que mora a nossa salvação. A Beleza do mundo. O mundo é repleto dela. O mundo é feito de detalhes. Detalhes e deleites. A Natureza, os Sentimentos, a Arte. Em cada canto tem uma flor. Em cada janela tem o céu. Com sorte, tem o Sol. Com muita sorte, tem a Lua. Uma Lua linda, redonda, prata. Em cada pessoa tem um coração. Em cada coração tem amor. Às vezes, parece que não tem. Mas sempre tem. Basta procurar com calma que o amor acaba aparecendo. E em todo lugar tem Arte. Arte, Arte, Arte para todos os lados. Todo mundo faz Arte. Todo mundo pinta e borda. Todo mundo tem algo para dar ao mundo. A Beleza é intrínseca ao mundo e à humanidade. E eu fico de olho. Eu toco, eu absorvo, eu experimento. Eu passo adiante. A Beleza deve ser passada adiante. Todo mundo tem que saber da Beleza. Meus filhos conhecerão a Beleza. Amarão a Beleza. Saberão que a Beleza está dentro deles. E também do Outro.


Aliás, nada mais Belo que o Outro.



Camila Canali Doval, provável escritora, futura mãe de pequenos Caios, moça de família de comercial de margarina, quase formada em Letras, blogueira de plantão, taurina em alto grau (vide defeitos do signo), 26 anos de idade, infinitos de sonhos, incansáveis de busca, repletos de vida. Uma mulher de sardas assumida, apaixonada e feliz até onde pode e, olha, pode muito.

1 comment:

Anonymous said...

e o mais engraçado é pensar que os novos medos das novas gerações sao os novos medos de todas as gerações... a história é cíclica

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