Sunday, November 12, 2006

Canto de Nana

TECNOPLATRÔNICO AMOR

Por Nana de Freitas


“Zé? Sou eu, Nina. Cê tá aí? Hum... Lembra de mim? Me mudei nesta semana e acabaram de instalar meu telefone: 3344-5579. Queria muito te ver de novo... Me liga? Beijo”.

O aparelho telefônico wireless ZTW 5000 ativou pela primeira vez a secretária eletrônica acoplada com gravação digital de recados, marcou o número no identificador de chamadas Plus 470 – novidade que a fábrica estreava no modelo – e acendeu o número 01 em seu mostrador digital. O número 01 acusava que o talentoso advogado que gastou no comunicador o equivalente a quatro fogões, de seis bocas cada um, não havia sido encontrado.

O headset de apenas 23 gramas teria sido automaticamente ativado se o destinatário da chamada telefônica estivesse a até 90 metros de distância do console. Para isso, no entanto, José Maurício precisaria estar em casa e ter ativado, por comando de voz, o pequenino acessório. Não estava. Tinha ido à padaria comprar mais cigarros, pois que incinerou um maço inteiro à espera da ligação de Nina. A chuva desanimava, mas a mucosa bucal já ardia, castigada pelas mordidas que acusavam fase oral mal resolvida. Precisava de nicotina. Precisamente, 0,7 miligramas naquele momento.

Na volta, passo apertado, o estouro de um transformador fez desprender-se dos lábios o cigarro que ele insistia em proteger dos pingos. Susto. Temendo prejuízo a seu ZTW 5000 recém-instalado, Zé galgou de quatro em quatro os degraus da escada, chegou à porta sem fôlego, entrou e conferiu: 00. O apagão que durou um piscar de olhos aniquilou cada um dos 27 segundos da mensagem de Nina e fez sumir sem piedade o ponto que encerrava cinco horas de longa espera. “Ufa! Pelo menos tenho a certeza de que ela não ligou enquanto eu fui lá”, pensou o Zé, satisfeito com a cumplicidade do ZTW 5000. “Tecnologia é tudo!”.

“Ativar headset”, falou, ainda ofegante pela pressa às escadas. Pegou o bagulho, pendurou na orelha, foi à procura do que fazer pela casa. Dois ou três livros, dois ou três CDs, duas ou três cervejas. Não importava. Não queria mesmo ler, ouvir música ou sorver álcool. Queria era parecer, a si mesmo, menos estupidamente interessado na chamada que não vinha.

Três horas extras de carga no aparelho lhe garantiriam oito horas de conversação. Oito horas initerruptas. Capacidade máxima do ZTW 5000, melhor performance do mercado. Já tinha tudo ensaiado. Primeiro, fingiria não se lembrar dela. “Nina? Nina de onde?” Mas não podia abusar, ele sabia. Rapidamente, emendaria um “Ah, é claro que me lembro de você” e ainda diria – sem pieguice, obviamente –: “Que bom que você ligou”. Se a voz dela convidasse a coragem dele a dar as caras, arriscaria um “estava pensando em você hoje cedo” e, depois de torcer a face em vergonhas, era só deixar a conversa fluir.

Zé perguntaria a Nina como passou a semana, se voltou ao bar onde se conheceram. Indagaria se a moça conseguiu fechar o contrato de que havia falado e, finalmente – ah, finalmente –, se tinha planos para mais tarde.

Oito horas de conversação sem necessidade de recarga. Mãos livres pelo uso do headset. Identificador de chamadas Plus 470. Era tudo de que dispunha. Era mais do que precisava. O vislumbre do prêmio – o reencontro com os lábios de Nina – trazia-lhe a certeza do excelente investimento que fizera.

Normalmente, era ele quem anotava os telefones que lhe interessavam chamar. Dessa vez, no entanto, meio embriagado, meio entorpecido, viu até charme na negativa de Nina e concordou em fornecer, ele, seus números a ela. “Te ligo no sábado. Posso?” “Pode, claro!”, disse. E esperou.

A noite veio rápido. O telefone tocou duas vezes. Um engano, um operador de telemarketing com sotaque paulista. De repente, um lampejo: “Ela perdeu o número”. Correu ao banho e às roupas, caprichou no perfume e saiu, desabalado, rumo ao local do primeiro encontro. Nina havia de estar lá, certamente.

Do balcão, onde fingia prestar atenção nas amigas, Nina sentiu o cheiro inesquecível do perfume de Zé. Teve a sensação de ter olhado para a porta dois segundos antes de ele, de fato, chegar à porta com o olhar afoito de quem procura uma presa. Cabelo lavado, barba feita, roupa impecável e aquele bendito cheiro, tudo como dias atrás.

“Caçador babaca”, pensou Nina, olhos rasos d´água, enquanto atacava com beijos o cidadão desavisado que passava a caminho do banheiro. “Vaca”, disparou Zé em pensamento que dissimulou atendendo, em farsa, ao celular que não tocara.

Ele saiu do bar. Ela correu ao banheiro. Enquanto o número de Zé, marcado em papel, seguia rumo ao mar em consecutivas golfadas hidráulicas, o ZTW 5000 vislumbrava o ocaso em vôo solo da varanda do quarto andar. O headset, no entanto, fora poupado. Guardado junto às cuecas, virou lembrete constante. Ainda que mudo, gritava, dali, todo dia: “Nenhuma mulher vale a pena”.

5 comments:

Leonardo Alves Corrêa said...

Muito Bom Nana de Freitas !!!

Anonymous said...

Pôxa, tava torcendo pela Nina e o Zé... q pena! Tá legal Nana, adorei!
Bj,
Ana Paula

Anonymous said...

Obrigada, Leonardo, pelo comment elogioso.
Valeu também, Ana. Tem mais gente reclamando do desfecho... Mas, na vida real, às vezes, somos mesmo estúpidos assim... Pode crer!
Abraço e beijinho aos dois.

Anonymous said...

Ei Lili, tô aqui no fechamanto da revista e decidi dar uma conferida pra refrescar a cuca... Adorei, mesmo sem ter tido happy end. Beijos e bom fim de semana!

Anonymous said...

Poxa, Lu! Bacana ter conferido... e gostado! Quando tiver texto novo, eu aviso, ok? Quanto ao happy end... Ah, de doce basta a vida, não é mesmo? Hehehehe! Beijão!

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