Sunday, November 12, 2006

Arquitetura Social



Raízes profundas sob pés descalços

Por Cristina Bondezan

Pergunta freqüente nas palestras sobre Arquitetura Social : Quem são os proprietários dos terrenos onde estão as favelas ? Os terrenos são doados? Invadidos? comprados? Boa pergunta !

Na verdade é uma invasão....”autorizada”. Contraditório? Claro, como tudo que é humano. Explico : Essas sub-habitações localizam-se, via de regra , em áreas de risco: Morros, mangues, beiras de “itambés” ( “canyons tupiniquins” ), encostas, entre outras, denominadas Áreas de Preservação Permanente, aquelas que devem ser mantidas na sua originalidade, as matas nativas existentes preservadas, cercadas, cuidadas, impermeabilização do solo nem pensar, construções de qualquer tipo proibidas ( ? )... é o que diz o rigor da lei...

Como não temos a cultura da preservação, do crescimento sustentável, da ecologia ou do turismo responsável, são justamente essas as terras mais degradadas, com esgoto a céu aberto, sem água, eletrificação que dá medo só de olhar, tudo porque seus proprietários (públicos ou privados) ignoram essas terras especiais, contemplativas, de rara beleza, deixam-nas à deriva, abandonadas ao seu próprio destino e vão fechando os olhos para a ocupação lenta e intermitente por aqueles que não possuem um pedaço de chão para morar – bom mesmo é a exploração lucrativa das belezas naturais sem muito trabalho e respeito ambiental, senão dá muito trabalho, não é, senhores empresários ou gerentes públicos?

Então , o que resulta fisicamente é o que vemos: um amontoado de vidas em barracos precários sem qualquer segurança diante de uma forte chuva ou um deslizamento, vivendo na posse da terra mas não com o título de domínio, pois ela continua a ter seu dono legal ...e omisso!

Com o Estatuto da Cidade (lembram-se desta lei comentada no texto anterior?) um pequeno avanço parecia acenar em direção a população mais carente: a possibilidade da “concessão de direito real de uso”, ou seja, além da posse, também o indivíduo ter o direito de vender, comercializar ou até deixar como herança aquele pequenino chão de raízes profundas sob pés descalços.

Só que mais uma vez a prática irá solapar a teoria e sinto dizer-lhes que apesar de grandiosa intenção do legislador (e vocês sabem que o inferno está cheio delas), não consigo enxergar resultados de curto ou médio prazos, pois para um cidadão obter o título definitivo de domínio nas mãos, ele terá que ultrapassar trâmites burocráticos inimagináveis que o farão desistir na primeira tentativa. Outra coisa: Se a área for particular, bastarão o idealismo, a generosidade e a vontade.


Agora meus amigos, se ela for pública (e a maioria é) o gestor (seja ele prefeito, governador ou presidente) terá que ter a vontade política de iniciar todo um processo hercúleo de mobilização de recursos para essa empreitada, de investir em pessoas capacitadas para orientar a divisão justa dos terrenos sem conflitos após anos e anos de “é assim e pronto”, a disposição de enfrentar o grave problema social e implantar vias internas com infra estrutura básica, bancar as despesas para transferências de barracos localizados em regiões de alto risco – normalmente com relutância do morador, além dos cartórios de registros, e tudo isso mediante autorização legislativa, e sem qualquer tipo de superfaturamento nos serviços ou desvios de dinheiro público que só às vezes acontecem nas grandes e benevolentes atitudes de quem está no poder. É fazer o milagre inteiro, e não apenas promessas a cada 4 anos...


Cristina Bondezan é arquiteta e urbanista. Nasceu e cresceu em São Paulo entre os italianos dos bairros do Cambucí e da Mooca. Exerceu cargos públicos na área de Planejamento Urbano, é docente do curso de "Design de Interiores "nas disciplinas : Projetos, Revestimentos , Gestão e Empreendedorismo. Seu escritório profissional situa-se na cidade de Marília, interior de SP . Um sonho : Ver o Brasil livre do parasitismo político . Um prazer : viver em amplitude e com olhos atentos...

4 comments:

SV said...

Infelizmente no Brasil, políticos trabalham apenas para manter-se no poder e beneficiar seus financiadores. Não há políticas de médio e longo prazo capazes de devolver à Natureza essa áreas e promover inclusão social de forma fraterna e humana às pessoas que lá vivem. O modelo de favelas cariocas, oriundo da escravatura e das benesses pós Antônio conselheiro e o rearranjo urbano do Rio do início do século, acabou por transplatar-se para outras regiões. Porto Alegre abriga suas favelas ao seu redor e nas regiões que hoje se reconhecem como quilombolas. Não será diferente do que se vê em outras capitais.

Esther said...

Infelizmente não , Silvio .Mas continuemos a observar, a falar, nos indignar...o que não podemos é achar alguma beleza poética nesses aglomerados sub humanos ,como a maioria...Obrigada pelo comentário.

Anonymous said...

Como disse está dificil comentar!!! pois o texto está super completo!!!!! adorei!!!!
Helocliôdes

Esther said...

Este teu "super completo"significa que estás aprendendo depressa, Helô..

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