Wednesday, October 11, 2006

A Humanidade Desumana

Estava eu parado no farol, ao volante do possante Gol 1.0 (na verdade, sempre imagino que seja 0.1, mas não vem ao caso esta observação) de meu querido pai, quando testemunho cenas de nossa guerra cotidiana.

Com o farol vermelho, várias crianças avançam para a limpeza de pára-brisas. Eu mesmo já tive um vidro, que estava limpo, ser sujo pela meninada. Mas tenho algumas moedas sempre à disposição para tanto. E pago por um serviço às avessas: dou dinheiro para que não me sujem os vidros.

Pouco me importo. Nunca controlei bem minhas contas (pois afinal, ganho tão pouco que não há como gastar desvairadamente), de modo que não serão algumas moedas a ruína dos meus negócios.

Mas eis que o motorista da minha frente se estressa com a molecada. Episódio que presenciei várias outras vezes, porém numa proporção menor. A “menina limpa-vidro” deveria ter uns seis anos de idade e mais ria e pulava por graça do que efetivamente “trabalhava” como faziam seus amigos visivelmente mais velhos.

O motorista da frente grita e ralha. Com a cabeça para fora, ordena que a criança se afaste da traseira do veículo. Sem ser obedecido, o homem engata a ré e derruba a criança. A menina chora um pouco, mas, talvez pela rudeza a que já está acostumada, se levanta e dispara na carreira para a calçada. O sinal abre e o homem arranca muito forte... mas não está sozinho na corrida. Eis que o Gol 0.1 (ooops! 1.0!) se agiganta e faz frente ao Astra! E sob meu comando, consegue se aproximar o bastante para que a placa seja anotada.

Com maior fôlego, o outro motorista foge tranqüilamente. É bem sabido que agi como um cachorro a perseguir rodas de carros... O que eu faria se conseguisse interceptá-lo? Gordinho, de óculos, estudante de filosofia e poeta acidental, não apresento o currículo musculoso que se fez necessário para a ocasião.

Ridiculamente triunfante - afinal, uma placa do infrator já era um começo - dei-me conta de que seria necessário retornar ao local dos fatos e, junto da criança, comparecer a algum distrito policial para prestação de “noticia criminis”. Retorno e a criança está sumida. Como muitas das outras. Encosto e troco palavras com um senhor. “Foi bom para aprenderem a não atrapalhar o trânsito”. Como me doeram estas palavras! Logo vi que não se tratava de uma boa testemunha. “E o senhor é polícia ou parente da menina?” quis saber o homem. Não, senhor... como diria Cazuza, sou só um cara...

Ainda conversei com um colega da polícia dias depois. Sem testemunhas, sem perícias a partir de algum ferimento na menina, como eu já sabia, não havia o que fazer. Seria fácil identificar o motorista pela placa do veículo, mas o que fazer contra ele?

...

O que fazer?

...

O que fazer para o fim do nosso ódio?

O que fazer para que pobreza não seja uma excludente de ilicitude?

O que fazer para o fim da indiferença com a dor dos fragilizados?

O que fazer? O que fazer? O que fazer?

...

E o que faço para me livrar deste nó na garganta por ser impotente na defesa do mais fraco?

Menina... tenho vergonha pelo que lhe houve! Este não é o meu país!

Vinícius, entre gritos e sussurros

1 comment:

AD said...

Belo texto! E poema...

A realidade é nacional, o que fazer poeta?

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