Wednesday, August 08, 2007

O Povo e o Livro


Por Halem Souza “Quelemén”

Como ser um crítico literário na grande imprensa


Quem já leu “Recordações do escrivão Isaías Caminha” certamente vai se lembrar da personagem Floc, que morreu tragicamente. Floc era o pseudônimo do crítico literário do jornal “O Globo”, retratado no romance de Lima Barreto, publicado pela primeira vez em 1909. Assim é visto pelo narrador:

“Floc era contra a Academia, contra os novos, contra os poetas, contra os prosadores; só admitia, além dele, com sua obra subjacente, que se poetassem e fizessem versos certos rapazes de sua amizade, bem nascidos, limpinhos e candidatos à diplomacia. Confundia arte, literatura, pensamento com distrações de salão; não lhes sentia o grande fundo natural, o que pode haver de grandioso na função da Arte. Para ele, arte era recitar versos nas salas, requestar atrizes e pintar umas aquarelas lambidas, falsamente melancólicas.”

Estamos diante, é óbvio, de uma caricatura. Temos razões hoje para supor ou acreditar que as pessoas que atuam na grande imprensa, sobretudo nos jornais impressos, não sejam tão fúteis e desprovidas de alguma “credencial” que as habilite para o mister de escrever sobre Literatura. Sei...

Mas não deixa de ser curioso ver como alguns desses jornalistas, críticos literários e outros ocupantes dos “segundos cadernos” exercitam seu nobre trabalho de esmiuçar o mundo das letras. Por isso, aceitando a sugestão do editor deste blog/revista eletrônica, decidi escrever um guia para os que desejam aventurar-se nesse tipo de atividade:

1) Se você não tem esse “olhar blasé/ que não só/ já viu quase tudo/ mas acha tudo tão déjà vu mesmo antes de ver”, como escreveu o poeta Antonio Cícero, desista agora! Vá para o caderno de esportes ou para a página policial.

2) Nem pense em escrever sobre essa subdesenvolvida e anêmica literatura (argh!) brasileira!

3) Se você não costuma ter muito tempo pra leitura (sabe como é, tem as festas, as viagens de fim de semana com a (o) namorada (o), as salas de bate-papo na Internet, e “otras cositas”), escolha para análise um escritor sobre o qual não residem dúvidas sobre sua genialidade, tipo Kafka, Henry James e Tomas Mann.

4) Cite, sempre que puder, um filósofo (não importa se você nunca leu o dito, use uma dessas frases de almanaque). Nietzsche sempre cai bem.

5) Não procure pesquisadores na área da Literatura e da Lingüística. Esses universitários malucos e desocupados podem vir com autores ou idéias que, no fundo, são um saco!

6) Textos hagiográficos em torno da obra de um autor são sempre bem-vindos. Mas xingue alguém de vez em quando, para ser, digamos, “polêmico”. Paulo Coelho, Lya Luft e Stephen King estão aí para isso mesmo! O problema é que esses já são habitualmente destratados. Seja original! Escolha um medalhão! Que tal Saramago? (ainda mais que ele é comunista)

7) É preciso repetir, caso venha a tentação: não escreva nada sobre a Literatura Brasileira para não parecer provinciano. Afinal, você é um legítimo representante da pós-pós-modernidade!

8) Lembre-se: você está escrevendo para um público que, como você, também não lê muito. Por isso não se preocupe em dar informações bibliográficas precisas nem informar as fontes de seus dados (caso estes apareçam).

9) Convém, de vez em quando, falar de um escritor esloveno ou do Azerbaijão, que ninguém conhece, mas que é o novo “bambambam” da Literatura mundial (tal como aquela moda, entre cinéfilos, de falar dos “maravilhosos” cineastas iranianos). Como ninguém vai ler esses livros – como também não viram os filmes iranianos – você fica com fama de ser um erudito fora do comum.

10) Falar de educação e investimentos públicos na área da cultura e da leitura, em particular, é terminantemente proibido. Ser alfabetizado adequadamente, ter bom nível de escolaridade e freqüentar bibliotecas é apenas um detalhe, num país tão justo e igualitário quanto o Brasil. Além do mais, política não é problema seu.

Acredito que seguindo esse decálogo, o aspirante a crítico literário na grande imprensa pode se dar muito bem. Lógico, desde que tenha um parente influente que possa empregá-lo nas redações desses estabelecimentos para escrever sobre assunto tão caro ao público em geral...

Para saber o que a Olegária Quer Falar, clique aqui!

4 comments:

Jens said...

Camarada Halem:
Mordaz. Sensacional.

Marcelo F. Carvalho said...

Halem, texto excelente! Cara, muito engraçado e triste, porque verdadeiro! Hehehehe...
______________-----
Abraço forte!

Anonymous said...

Dói como sempre imagino doer punhalada com faca de manteiga... mas é tão verdadeiro que dói até com um pouco de graça e desfarce de delicadeza... Mas dói, né? E é verdade... rs. Muito bom, Halem!

Anonymous said...

Agradecido, Combatente Jens.

Marcelo, saiu engraçado o texto? Só queria que saísse triste(rs). Um abraço.

Nana, e a gente vai sofrendo... Grato pelo comentário.

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