Sunday, November 26, 2006

O Povo e o Livro

Casamento difícil: “Sá” Literatura e “Seu” Folclore
Por Halem de Souza

É freqüente o uso da cultura popular e do folclore, com propósitos nacionalistas e em diversas partes do mundo, para afirmar a identidade de um povo, buscando as bases fundadoras das várias sociedades nessas duas modalidades da cultura ou apenas reforçando as diferenças, hierarquizando, estabelecendo o que é “inferior” e o que é “superior”. A Literatura não escapou desse uso. E no caso brasileiro, o período especialmente marcado por esse intento ocorreu na primeira metade do século XX.

Em três obras distintas – O triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto (1915); Macunaíma, de Mário de Andrade (1928); e Histórias da Tia Nastácia , de Monteiro Lobato (1946, provavelmente) – podemos ver as tentativas, de alguns literatos de peso, para promover o casamento (difícil) da Literatura com o Folclore, tentativas essas nem sempre bem sucedidas.
O triste fim de Policarpo Quaresma, todos sabemos, narra as desventuras do major tentando realizar três sonhos patrióticos de elevação do Brasil: através da cultura, através da agricultura/trabalho e, por fim, através da política.

Sabemos também que foram baldados todos os seus esforços. Mas é no primeiro sonho do major Quaresma que nos deteremos. Logo no início do romance, temos a informação de que Policarpo tomava aulas de violão e queria aprender a tocar “modinhas” por entender ser o instrumento e o tipo de composição mais adequados à cultura brasileira. Mais do que isso, resolveu conhecer os costumes populares, as tradições folclóricas, pela sua “significação altamente patriótica”. Em companhia do general Albernaz vai visitar uma certa Tia Maria Rita, “uma preta velha(...)antiga lavadeira da família Albernaz”. Lá chegando, decepcionam-se: a velha, já um pouco caduca, não se lembra de quase nenhum folguedo, brincadeira ou canção antiga. Vemos, de forma velada, a denúncia de Lima Barreto, mostrando como um ex-escrava, sempre explorada, ainda por cims só tem serventia para a sociedade pós-escravocrata enquanto repositório de itens de entretenimento para seus antigos senhores. A cultura popular e o folclore são vistos pelo seu valor de uso.

Macunaíma, mais do que um dos livros fundamentais da cultura brasileira, é o resultado de um vigoroso esforço intelectual de seu autor. Mário de Andrade empreendeu uma significativa pesquisa das tradições brasileiras, como grande folclorista que foi, e deu a elas feição literária, construindo, para além de sua importância cultural, um livro divertidíssimo de se ler. O pesquisador, nesse caso, não suplantou o artista. Aqui, folclore e cultura popular caminham lado a lado com a Literatura, e esta não se encontra em posição superior aos dois primeiros.

Histórias da Tia Nastácia corresponde a um dos (pouquíssimos) senões da extraordinária obra infanto-juvenil de Monteiro Lobato. Por sugestão de Pedrinho, Tia Nastácia vai narrando diversas histórias folclóricas, de origem africana, européia e indígena. Ao final de cada uma, os outros personagens do Sítio comentam a narrativa que acabou de ser feita. São nesses comentários que estão os equívocos desse livro. Lobato, como muitos outros escritores, foi influenciado pelas “contadoras de histórias”, em sua maioria mulheres negras que, de forma itinerante, visitavam fazendas e casas. Ele reconhece o valor dessas mulheres e dessas narrativas, mas procura julgá-las (e é um julgamento o que se faz nos comentários) por critérios adequados apenas à Literatura. Munido de conhecimentos antropológicos e etnográficos bastante limitados, Lobato se esqueceu de que era “apenas” um genial escritor. Nesse caso, a cultura popular e o folclore são colocados de forma inferiorizada diante da Literatura.

1 comment:

Roy Frenkiel said...

Para mim, esta eh um das mais preciosas colunas do Reacao! Continue conosco, Halem ;-)

Abrax

RF

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