Carinha Marrento
Geraldino Marrento, o início de uma Saga
Nasceu numa manhã, pesando três quilos e umas gramas soltas, menino sadio, corado e careca, com chôro miúdo e carinha de pau.
Nasceu se esperneando, brigando com a vida, já tentando enxergar, meio ceguinho, braços longos, finos, mãos pesadas. Cortou-se o cordão umbilical, mas não sem briga. Deu-lhe dois chutes na mão do pai, e quase escorregou das mãos da parteira. O médico, encabulado, brincou: ‘Chamemos a segurança?’ Já foi ao peito da mãe, e brigou com seus mamilos, mesmo sem dentes, machucando e esfolando tanto que a mãe pediu água, e um lenço branco para enxugar o suor.
Não quis dormir, brigou com o berço, talvez pensasse que já sabia andar, mas não sabia, e perdia a briga. A mãe, recuperada e logo, em mera adaptação ambiental às forças descomunais da pequena criatura, o levou à sua casa, e o deitou em berço próprio. Ora, brigava com a lua à noite, ora, brigava com o sol durante o dia. Só dormia depois de brigar com o sono, mas dormia como um touro. Bufava e roncava como um touro. Não mamou, não chupou dedo, mas proclamou seu amor a um travesseiro, com o qual brigava a melhor ajustar-se a dormir. E dormia...
Nasceu marrento, e cresceu, pequenino, marrento. Menino, mostrava lingua para freiras, piu-piu às coleguinhas do colégio Católico-Apostólico-Romano, e desfilava nu pelo lado externo, entre as janelas dos quartos do segundo andar de sua casa. Uma coisa todos se perguntavam: ‘Como é que ele sobrevive?’ Enterrava seus bichinhos no quintal (trezentos e sessenta e um, ao todo) conquistados por choramingos em pedidos implorados aos pais, cansados de ver o menino enterrando bichinhos no quintal. Mas ele brigava, fazia birra, para convencer os pais e depois com os bichinhos. Em uma ocasião, numa dessas feiras de animais, levou para casa um par de pintinhos, brincou com eles como se fossem bonecos, com seus próprios bonecos, e como um tinha de morrer e bonecos não morrem... Pobre pintinho... Brigava com os professores e professoras, com os amigos, com os inimigos – todos sabemos que na infância estão nossos piores – com os pais e com os tios, até com sua avó. Depois brigou com Deus porque levou sua avó.
Deu seu primeiro beijo, mas antes brigou com o espelho, e depois do beijo brigou com a guria, ‘tadinha. Conseguiu seu primeiro emprego, mas foi demitido do emprego por brigar com os empregados, e brigou com o patrão antes de abandonar o recinto. ‘Essa possilga!’ Quando alguém tossia, desejava: ‘Morre desgraçado’. Se espirrava, dizia: ‘Tá podre!’ Formou-se, mas na formatura, brigou com quem lhe entregou o canudo, e disse ao microfone júrias indizíveis por pessoas descentes, e não que eu o seja, mas talvez algum dos leitores, e não queremos causar distúrbios desnecessários. Formou-se, é claro, advogado, mas não conseguiu passar no exame da OAB porque brigou com o inspetor da sala da prova. Passou no ano seguinte, contendo-se até o resultado, voltou à sala de provas, com outro inspetor, e o mandou tomar refresco Nabum (sentiram a descência?).
Sem deixar de brigar, em um mundo de competitividades, conquistou bom espaço, defendeu muitos brigões, mas cansou-se de brigar por outros, e decidiu se aposentar. Isso, aos vinte e oito anos de idade. Brigou com o governo, mas não lhe garantiram aposentadoria. (Continua na próxima!)
Por Geraldino, uma auto-biografia marrenta
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