Cidadania Cultural
Por Helena Vasconcelos
Pernambuco dá um salto qualitativo na sua política cultural com a implantação dos Centros de Enriquecimento Cultural - CEC, em 14 cidades da Zona da Mata, cuja iniciativa resgata antiga dívida com os produtores de cultura do Interior do Estado que, distantes da informação e de melhores oportunidades, sobrevivem à luz de suas próprias sabedorias. Até então, as políticas públicas, no campo da cultura, dificilmente alcançavam regiões afastadas dos grandes núcleos urbanos - na velha pratica de consagrar o já consagrado. Os Centros priorizam o conhecimento da cultura local, criam bases em um projeto pedagógico e garantem gestão compartilhada com a comunidade. A experiência piloto, na cidade de Nazaré da Mata, estendendo-se aos municípios vizinhos de Vicência, Tracunhaém, Buenos Aires e Aliança, deve-se à rica malha cultural produzida naquela região. Localizado na periferia da cidade, o Centro foi acolhido em um antigo matadouro construído no início do século passado, antes em desuso e em ruínas, restaurado em 2004 pelo Governo do Estado e entregue a Prefeitura local.
Equipado com biblioteca virtual, espaço para cursos, palestras, exposições, apresentações artísticas e comercialização de produtos, o CEC busca elevar o capital humano e social da região, bem como diversificar a sua economia cultural, a qual não prospera desde o término do ciclo do açúcar. O foco principal: a formação do jovem estudante agregando ao currículo o conhecimento e a prática cultural - um equipamento desvinculado do espaço físico da escola, e inserido na paisagem do lugar. Além de reforçar metas na área educacional, atua no desenvolvimento regional ao lançar novas rotas para o turismo cultural em Pernambuco. O seu gerenciamento a cargo de uma Comissão Gestora, formada com representações locais indicadas por instituições educacionais, culturais, comunitárias e grupos artísticos organizados, o que garante, por princípio, a cidadania cultural. A comunidade delibera, junto com a Prefeitura, sobre os usos da cultura e, assim, rompe com padrões tradicionais da maioria das instituições oficiais, geralmente, redutos privilegiados e de monopólios políticos, empenhados numa visão reducionista da cultura (o show na praça) e no abortamento de bons projetos, muito comum neste setor. Já o CEC de Nazaré da Mata, também multiplicador dos bens ali produzidos, pode gerar bens de valor cultural e econômico - grandezas para uma cultura sustentável.
Similares aos Centros de Enriquecimento Cultural estão espalhados pelo mundo - os chamados centros culturais independentes, surgidos na década de 70. Distingue-se pela sociabilidade e espírito comunitário, seus recursos provêm das próprias atividades, e contam com a Trans Europe Halles, com sede na Bélgica, que funciona como uma espécie de parlamento cultural e mecanismo de cooperação. Para o cientista cultural, Teixeira Coelho, esses centros definem uma tendência em política cultural da pós-modernidade: "O Albany Arts Center, nos arredores de Londres, constituído pelo poder público, mas quem o administra diretamente são os próprios cidadãos, organizados na forma de associação cultural escolhida por meio de um sistema de concorrência pública: a melhor proposta cultural e econômica é selecionada e os responsáveis passam a gerir o centro; fazendo dessa atividade uma ocupação profissional remunerada". Embora no exemplar pernambucano, continue a existir o aporte governamental, os CEC caminham para autogestão. Criar estratégias de administrar a cultura de forma participativa e gerar políticas de sustentação, não deixa de ser mais um dos desafios desta tendência.Os pontos que mais identificam os Centros com uma nova atitude em política cultural são: primeiro, por entender a cultura como um bem do conhecimento humano transpondo novos territórios e, no que compete a sua administração, a descentralização da decisão - a comunidade também decide.
Helena Vasconcelos, professora de Teoria da Arte, membro do Conselho de Política Cultutal para os Países do Mercosul.
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