Canto de Nana
Noite feliz
Por Nana de Freitas
(Foto: Vida Simples, clique aqui)
No lado de trás do carro, Pedrinho se divertia observando as lojas e fachadas decoradas para o Natal. Ao contrário dos pais, Amanda e Ricardo, que se irritavam com a demora provocada pelo engarrafamento sob a chuva fina e constante de dezembro, para o menino era melhor mesmo que demorasse para atravessar a cidade.
Assim, com a noite chegando ao trânsito parado, daria para ver também as luzes, que enchiam os olhos do garoto.
Quando se cansaram de reclamar e xingar – o trânsito, a companhia de tráfego, os motoristas dos carros mais próximos, o prefeito, o governador e até São Pedro -, os adultos do carro resolveram fazer uso do tempo ocioso para programar a ceia da festividade.
- João e Carla não comem carne de porco, Ricardo. Tem de ter peru.
- Eles é que comam sem carne, Amanda. Não é possível que vamos ter de fazer um prato para cada pessoa. A família é grande, essas coisas acontecem.
- Mas eles são nossos convidados, amor. Não fica bem, né?
- Não fica bem é convidado reclamar da janta. Faça-me o favor!
Ainda com os olhos nos enfeites, mas com os ouvidos já bem atentos à conversa que se desenrolava no interior do veículo, Pedro, que já tinha sete anos e até uma formatura no currículo, sentiu que era hora de começar, ele também, a participar da organização da festa.
- Vocês ficam aí brigando por causa de comida. Isso é feio. O mais importante, ninguém lembra, que é cantar “Parabéns”. Queria ver se fosse no aniversário de vocês!
Amanda mal conteve a emoção. Ricardo, para não se desmanchar em frescuras, riu muito e tratou logo de concordar com o filho, puxando, obviamente, a brasa para a sua sardinha.
- É isso aí, filhão. O importante é celebrar a data, o aniversário. Os convidados que comam o que for servido.
- Ô, Pedrinho – emendou Amanda -! Que orgulho, meu filho! Fim de ano é tão corrido que a gente acaba mesmo esquecendo a razão do Natal...
- Então! Este ano vai ter “Parabéns”? Você promete?
- Claro, filho! Logo depois da oração a gente canta os parabéns. Combinado?
- Eba!!!!!
E assim ficou acertado que as famílias Castro e Barros, a partir daquele ano – e por intervenção de Pedrinho – resgataria o verdadeiro sentido do Natal.
A semana passou num piscar de olhos – como costumam passar todas entre o meio de novembro e o início de janeiro. Em clara desobediência matrimonial, Amanda assou também o peru, buscando contemplar as preferências alimentares de todos os convidados.
A parentalha começou a chegar por volta das 21h. Astolfo, o tio glutão, era o primeiro, sempre. Gostava de chegar a tempo de acompanhar, ainda, os últimos preparos gastronômicos. Assim, tirava uma lasquinha aqui, outra ali, e driblava a fome que temia sentir até meia-noite. Vinha em carro próprio, antes da mulher e dos filhos, e sempre chegava reclamando por ter ido sozinho, na frente, pois o restante da família não tinha “compromisso com horário”.
Só Juliana, irmã de Amanda, se adiantava a Astolfo – que era da família de Ricardo. Isso porque ela não precisava chegar. Permanecia. Ainda que não morasse na casa, não era raro passar longas temporadas ali, maltratando a paciência do cunhado. Em dia de festa, no entanto, Ricardo era tomado de súbito carinho pela moça. Afinal, a presença dela na casa reduzia consideravelmente as tarefas que ele próprio teria de cumprir para que tudo saísse ao gosto da patroa.
Mário veio com Raquel – a estudante de artes cênicas que todo mundo queria conhecer. Mas Tereza também foi, com as crianças. Cumprimentou a todos, fulminou com um olhar a estudante e avisou que não ficaria para a ceia, pois também celebraria o Natal com o “novo namorado” (expressão pronunciada em volume ligeiramente mais elevado que o restante da frase).
Pedrinho recebia os convidados – de olho nos presentes. Julgava-se especialista na arte de adivinhar, pelo embrulho, o conteúdo. Para colher dados como peso, som, densidade projetada e afins, se oferecia prontamente para levá-los até a grande árvore que enfeitava a sala.
Quando todos, por fim, lá estavam, eram 27 adultos, 13 crianças, um peru, um pernil, uma travessa de arroz à grega, dois tipos de saladas, farofa comum, farofa de frutas e o famoso salpicão de Amanda.
À meia-noite, a família se reuniu para a prece, em torno da mesa. Astorlfo e outros três ou quatro concentrados na comida. Amanda e Juliana avaliando Raquel. As crianças, adivinhando os presentes. Logo depois do “amém” em coro, a anfitriã pediu a palavra.
- Queria dizer a todos que é um prazer recebê-los aqui em casa de novo, para o Natal. Temos muita sorte em ter uma família tão linda e abençoada. Mas, neste ano, foi Pedrinho quem nos chamou a atenção para o verdadeiro sentido de toda essa festa. Foi ele quem nos lembrou que nos reunimos, nesta data, para celebrar um aniversário muito especial...
Pedro mal podia acreditar. Com apenas sete anos, o discurso da mãe fazia dele o anfitrião, o mestre da noite. E ela prosseguiu:
- Por isso, prometemos a ele que, como em qualquer aniversário, cantaríamos juntos o “Parabéns”, como forma de lembrar a razão que nos une aqui...
Emocionada, foi a avó de Pedrinho quem puxou a cantoria. “Parabéns pra você...” E todos acompanharam, animados pelo vinho e pelo discurso. Repetiram a melodia, também como de praxe nos aniversários, enquanto viam Pedrinho subir na mesa, orgulhoso, para entoar a plenos pulmões, logo ao final da canção:
- Viva Papai Noel!!!!!!!!!!!
E as crianças:- Viva!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! ________________________________________________________
Por Nana de Freitas
(Foto: Vida Simples, clique aqui)
No lado de trás do carro, Pedrinho se divertia observando as lojas e fachadas decoradas para o Natal. Ao contrário dos pais, Amanda e Ricardo, que se irritavam com a demora provocada pelo engarrafamento sob a chuva fina e constante de dezembro, para o menino era melhor mesmo que demorasse para atravessar a cidade.
Assim, com a noite chegando ao trânsito parado, daria para ver também as luzes, que enchiam os olhos do garoto.
Quando se cansaram de reclamar e xingar – o trânsito, a companhia de tráfego, os motoristas dos carros mais próximos, o prefeito, o governador e até São Pedro -, os adultos do carro resolveram fazer uso do tempo ocioso para programar a ceia da festividade.
- João e Carla não comem carne de porco, Ricardo. Tem de ter peru.
- Eles é que comam sem carne, Amanda. Não é possível que vamos ter de fazer um prato para cada pessoa. A família é grande, essas coisas acontecem.
- Mas eles são nossos convidados, amor. Não fica bem, né?
- Não fica bem é convidado reclamar da janta. Faça-me o favor!
Ainda com os olhos nos enfeites, mas com os ouvidos já bem atentos à conversa que se desenrolava no interior do veículo, Pedro, que já tinha sete anos e até uma formatura no currículo, sentiu que era hora de começar, ele também, a participar da organização da festa.
- Vocês ficam aí brigando por causa de comida. Isso é feio. O mais importante, ninguém lembra, que é cantar “Parabéns”. Queria ver se fosse no aniversário de vocês!
Amanda mal conteve a emoção. Ricardo, para não se desmanchar em frescuras, riu muito e tratou logo de concordar com o filho, puxando, obviamente, a brasa para a sua sardinha.
- É isso aí, filhão. O importante é celebrar a data, o aniversário. Os convidados que comam o que for servido.
- Ô, Pedrinho – emendou Amanda -! Que orgulho, meu filho! Fim de ano é tão corrido que a gente acaba mesmo esquecendo a razão do Natal...
- Então! Este ano vai ter “Parabéns”? Você promete?
- Claro, filho! Logo depois da oração a gente canta os parabéns. Combinado?
- Eba!!!!!
E assim ficou acertado que as famílias Castro e Barros, a partir daquele ano – e por intervenção de Pedrinho – resgataria o verdadeiro sentido do Natal.
A semana passou num piscar de olhos – como costumam passar todas entre o meio de novembro e o início de janeiro. Em clara desobediência matrimonial, Amanda assou também o peru, buscando contemplar as preferências alimentares de todos os convidados.
A parentalha começou a chegar por volta das 21h. Astolfo, o tio glutão, era o primeiro, sempre. Gostava de chegar a tempo de acompanhar, ainda, os últimos preparos gastronômicos. Assim, tirava uma lasquinha aqui, outra ali, e driblava a fome que temia sentir até meia-noite. Vinha em carro próprio, antes da mulher e dos filhos, e sempre chegava reclamando por ter ido sozinho, na frente, pois o restante da família não tinha “compromisso com horário”.
Só Juliana, irmã de Amanda, se adiantava a Astolfo – que era da família de Ricardo. Isso porque ela não precisava chegar. Permanecia. Ainda que não morasse na casa, não era raro passar longas temporadas ali, maltratando a paciência do cunhado. Em dia de festa, no entanto, Ricardo era tomado de súbito carinho pela moça. Afinal, a presença dela na casa reduzia consideravelmente as tarefas que ele próprio teria de cumprir para que tudo saísse ao gosto da patroa.
Mário veio com Raquel – a estudante de artes cênicas que todo mundo queria conhecer. Mas Tereza também foi, com as crianças. Cumprimentou a todos, fulminou com um olhar a estudante e avisou que não ficaria para a ceia, pois também celebraria o Natal com o “novo namorado” (expressão pronunciada em volume ligeiramente mais elevado que o restante da frase).
Pedrinho recebia os convidados – de olho nos presentes. Julgava-se especialista na arte de adivinhar, pelo embrulho, o conteúdo. Para colher dados como peso, som, densidade projetada e afins, se oferecia prontamente para levá-los até a grande árvore que enfeitava a sala.
Quando todos, por fim, lá estavam, eram 27 adultos, 13 crianças, um peru, um pernil, uma travessa de arroz à grega, dois tipos de saladas, farofa comum, farofa de frutas e o famoso salpicão de Amanda.
À meia-noite, a família se reuniu para a prece, em torno da mesa. Astorlfo e outros três ou quatro concentrados na comida. Amanda e Juliana avaliando Raquel. As crianças, adivinhando os presentes. Logo depois do “amém” em coro, a anfitriã pediu a palavra.
- Queria dizer a todos que é um prazer recebê-los aqui em casa de novo, para o Natal. Temos muita sorte em ter uma família tão linda e abençoada. Mas, neste ano, foi Pedrinho quem nos chamou a atenção para o verdadeiro sentido de toda essa festa. Foi ele quem nos lembrou que nos reunimos, nesta data, para celebrar um aniversário muito especial...
Pedro mal podia acreditar. Com apenas sete anos, o discurso da mãe fazia dele o anfitrião, o mestre da noite. E ela prosseguiu:
- Por isso, prometemos a ele que, como em qualquer aniversário, cantaríamos juntos o “Parabéns”, como forma de lembrar a razão que nos une aqui...
Emocionada, foi a avó de Pedrinho quem puxou a cantoria. “Parabéns pra você...” E todos acompanharam, animados pelo vinho e pelo discurso. Repetiram a melodia, também como de praxe nos aniversários, enquanto viam Pedrinho subir na mesa, orgulhoso, para entoar a plenos pulmões, logo ao final da canção:
- Viva Papai Noel!!!!!!!!!!!
E as crianças:- Viva!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! ________________________________________________________
1 comment:
Adorei!!!
Robson Fontenelle
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