Monday, December 11, 2006

O Povo e o Livro


Antes do tiro: a violência espectral de Rubem Fonseca
Por Halem de Souza

(Foto: Sexual Violence, clique aqui)

Silviano Santiago observou que “Rubem Fonseca exibe a violência como o modelo de comportamento dominante na sociedade contemporânea”. E acrescenta: “quando a Sociologia, História e Psicanálise tornam-se disciplinas pusilânimes para analisar esse fato, a literatura se agiganta e se faz indispensável.”

Nenhum leitor de Fonseca tem a menor dificuldade em se aperceber da violência característica do autor de A Grande Arte. Ela já se manifestara no primeiro livro de contos (Os prisioneiros, 1963), começara a consolidar-se a partir do terceiro (Lúcia MacCartney, 1967), notadamente nos contos O caso de F. A. - com o famoso personagem Paulo Mendes/ Mandrake – Meu interlocutor e Relato de ocorrência, por exemplo. Mas é em Feliz Ano Novo (1975) que a ficção de Rubem Fonseca adotaria a violência como temática recorrente.

Seria bastante simples arrolar exemplos de episódios de brutalidade e selvageria em algumas narrativas do livro, nas quais esses elementos estão explícitos. Passeio noturno (Partes I e II), Botando pra quebrar, Dia dos Namorados (mais uma vez com o personagem Mandrake) e, obviamente, o conto que dá nome ao livro, possuem farto material ilustrativo do tratamento dado pelo autor à violência.

Mas, e nos contos em que a selvageria e a estupidificação, inerentes a todo ato violento, não estão imediatamente reconhecíveis, nem podem ser prontamente identificadas por vocabulário direto e sem subterfúgios? Em outras palavras, como Fonseca trata a violência antes de anunciar que houve um tiro, uma facada, um soco?

Em um conto de Feliz Ano Novo, a violência também lá está, mas de modo espectral, assombrando a narrativa, sem, contudo, ocupar o proscênio, guardando-se para o epílogo. E essa narrativa destaca-se por impor, como fratura ainda não exposta, a razão da imensa maioria dos atos brutos e violentos: as diferenças de renda ou, como prefiro dizer sem chorumelas, o dinheiro que uns (pouquíssimos) têm e outros (milhares) nunca viram (ou verão) sequer a cor.

O outro, conto pouco característico de Fonseca, porque flerta ligeiramente com o gênero fantástico, opõe dois personagens: um empresário rico e “um outro”, provavelmente um mendigo comum. O primeiro atende aos pedidos do segundo, assim caracterizado por aquele: “Era um homem branco, forte, de cabelos castanhos compridos.” Ao longo do conto os dois se encontram e os pedidos do mendigo vão ficando mais exigentes e ousados, intimidando o homem rico. É importante notar que, habilmente, Fonseca faz do empresário o narrador; isso significa que vemos apenas aquilo que ele deseja que saibamos. Exasperado pela insistência do pedinte, mata-o com um tiro e então percebe: “ele caiu no chão, então vi que era um menino franzino, de espinhas no rosto, e de uma palidez tão grande que nem mesmo o sangue, que foi cobrindo a sua face, conseguia esconder.”

Se há um remate moral para esse conto é o de que o abismo social entre classes transforma os detentores da renda cegos às necessidades dos outros setores da sociedade. Não à toa, ao invés de diminuírem suas margens de lucro, exigem a construção de mais cadeias, contratam seguranças, eletrificam seus muros. Aproximar-se do outro, pobre, sem oportunidade de educação, desocupado e desesperado, pra essa gente endinheirada, nem pensar.

P.S. Os contos aqui citados estão em FONSECA, Rubem. Contos reunidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

Halem de Souza escreve o blogue Ração (Razão) das Letras, vale a pena conferir!

No comments:

Convite ao Nosso Yahoo Grupo! Participe e debata!

Povo do Reação Cultural, Agora com uma gestão modernizada e o uso da mais alta tecnologia, contamos com um grupo de discussão pela internet. Pelo grupo, além de receber as tradicionais edições do Reação Cultural, o internauta também poderá debater melhor algumas questões, além de conhecer novos contatos. Para se cadastrarem, basta enviar um e-mail em branco para reacao_cultural-subscribe@yahoogrupos.com.br e faça parte do nosso grupo. Atenciosamente. Reação Cultural Editores

Os Imperdiveis!
Leia o Monblaat!
Maiores detalhes, escreva ao Fritz Utzeri

flordolavradio@uol.com.br

Leia a Zine do Pirata!
Para receber por email, escreva ao Pirata

diariopz@uaivip.com.br

Visite seu blog acessando a:

www.zinedopirata.blogspot.com


Leia O Lobo (Fausto Wolff)

www.olobo.net