Sunday, October 15, 2006

Venus Contra-Ataca

O BICHO VAI PEGAR
Por Camila Canali Doval

Em época de eleições a gente dá pra essa coisa de pensar no mundo. É duro ter que ouvir propaganda eleitoral, ter que engolir esses barracos que eles aprontam, ter que escolher entre a cruz e a espada na hora de votar. É o ruim ou o muito ruim ou o decididamente ruim e por aí vai. Nestas eleições, ao menos, parece que o povo mudou a postura. Ou, ao menos, está tentando mudar. Aqui em Porto Alegre não teve adesivo no carro, discussão na esquina, lágrimas, fúrias e decepções. Está todo mundo espreitando. Com exceção dos cabos eleitorais de sempre, o povo ficou de canto. Ninguém quer dar a cara à tapa. Ninguém quer arriscar se iludir publicamente. Todo mundo sabe que nenhum candidato presta e que a política está mesmo uma M.

E não é só Porto Alegre, não é só Brasil. No mundo todo, a situação está caótica. Estados Unidos e Bush, ninguém agüenta mais ouvir falar. Ninguém mais tem taras com o sonho americano, só as peruas decadentes de plantão. Ir para os EUA, fazer parte daquela cultura, viver sex and the city, eu? Por favor, se é para ficar se iludindo com as porcarias do show business enquanto o governo barbariza, fico por aqui. O mundo acabando lá fora enquanto as mulheres - e os homens – só querem saber da bunda da J-lo. Bem, pelo menos nisso existe uma comunhão.

A bagunça segue no Oriente Médio. Guerra, sangue, loucura. Não dá para entender. Quer dizer, dá para entender, tudo tem motivo, tudo tem razão, mas tudo já excedeu minha capacidade de compreensão. Eu tentei, no começo, mas não dá mais. Transcendeu o real. Transcendeu o palpável. Agora é só olhar pela TV e lamentar, como lamentamos a notícia da alta do dólar, da queda do dólar, do dinheiro do dossiê, da atriz sem calcinha, da queda do avião. Até que a queda do avião abalou um pouco. O resto não faz efeito sobre a anestesia geral em que estamos mergulhados. Lamentar é tudo o que podemos fazer.

E não é que assassinaram as criancinhas amishes? Além de tudo, além de todos, uma criatura vai até uma vila de pessoas alucinadas que vivem como se estivessem no século dezessete, desesperadas para manter qualquer coisa de não-mundo no seu mundo, e mata as criancinhas. Ai ai ai. Chegamos naquele ponto em que os malvados têm que quebrar a cabeça para pensar em algo que ainda ninguém fez. Só um pouco mais chocante. Só um pouco mais cruel. Um pouquinho, só, mais doente. Sempre dá.

E eu aqui em Porto Alegre, caminhando, todos os dias, na ida do trabalho para a academia, sobre o túnel do PCC. Isso mesmo, eles chegaram aqui. Nem precisei ligar a TV. Reality show ao vivo. O Big Brother está em todo lugar. Alguém aí já se inscreveu? Me parece um bom lugar para passar umas férias. Longe de qualquer informação. Longe de notícias. Longe da vida real. A Globo sempre pensa primeiro.

Mas, no meio de tudo, uma boa notícia para os otimistas de plantão: o Papa manteve o limbo no limbo, pelo menos por mais um tempo. Grande Papa! Sempre fazendo coisas úteis, sempre se manifestando apropriadamente, sempre se ocupando das grandes causas. Homem abençoado. Não consegui entender direito se as criancinhas irão direto para o céu ou se correrão o risco de ir parar no inferno, junto aos políticos, terroristas, loucos e diretores de emissoras televisivas. Pobres criancinhas. A corda sempre estoura no lado mais fraco. Elas ainda implorarão a volta do bom e velho bicho-papão.

Por favor, não pensem que sou toda assim, mal-humorada e sem perspectivas. Eu tenho perspectivas. Eu sonho com um mundo melhor. Não acho que Buda, Cristo e John Lennon foram apenas um bando de aloprados. Eu também imagino as coisas melhores. As pessoas melhores. Todos vivendo em paz. E tenho grandes esperanças. O povo está reagindo, o gigante adormecido está dando sinais de vida. Quem sabe esse estado de choque em que estamos mergulhados não significa que as coisas, finalmente, estão nos afetando? Que estamos entendendo quem, onde e por quê? Digo afetando, mas não que antes não afetassem. Digo afetando, no sentido de que estamos percebendo que podemos fazer alguma coisa. E para começar, deixando de aceitar. De acatar. De permitir. Quem sabe? Essa barbaridade – como nós dizemos muito convenientemente aqui pelas bandas do Sul - tem que acabar.

Vou aguardar até o dia do segundo turno. Vou aguardar os próximos mandatos. Vou aguardar o pronunciamento da Vossa Santidade. Vou aguardar, sim, mas não em estado de inatividade. Vou pensar, planejar, programar minhas ações. Vou terminar meu estágio, me formar, ser professora. Vou ensinar o que venho aprendendo. Vou passar adiante a minha vontade de não deixar as coisas como estão. Agir conscientemente, essa é a resposta.

Nenhuma ação fica sem reação neste mundo. Principalmente o voto. E isso não é papo pra assustar criancinhas.



Camila Canali Doval, Mulher de Sardas, provável escritora, futura mãe de pequenos Caios, moça de família de comercial de margarina, quase formada em Letras, blogueira de plantão, taurina em alto grau (vide defeitos do signo), 26 anos de idade, infinitos de sonhos, incansáveis de busca, repletos de vida. Uma mulher de sardas assumida, apaixonada e feliz até onde pode e, olha, pode muito.

3 comments:

Anonymous said...

Muito bom o texto. Ótima cronista, a mulher de sarda. Venha escrever no www.eropoema.net. Isso é um convite.

Abraços,

Edmir
www.veropoema.net

Belém - Pará

Claudinha ੴ said...

Oi Camila! Vim prestigiá-la aqui também. Certíssima, coerente como sempre. Eu ando desanimada, decepcionada demais com a nossa raça , aquela que se diz humana. Por enquanto o que consigo é a minha ética, agir com a minha consciência. Excelente texto,q uerida. Beijos!

Mauro said...

Adorei o texto Camila!

Penso um pouco parecido...

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