Canto de Nana
COTIDIANO
Por Nana de Freitas
Trabalhavam juntos desde que se conheceram, durante o processo de seleção da empresa, há pouco mais de 15 anos. Ele gostava de praia. Ela, de montanha. Ele era fã de Beattles. Ela, de Stones. Ele direitista. Ela, de esquerda. O moço absurdamente careta, a moça “sempre aberta a novas experiências”.
Entrou como estagiária, foi assistente, gerente, superintendente e agora dirigia um dos setores da empresa. Deixou de fumar maconha, deixou de acampar com os amigos, parou de beijar as amigas, neoliberou geral.
Ele já começou no processamento de dados, mudou de área, de interesses e de hábitos e acabava coroado como diretor regional de marketing. Fumou o resto da maconha dela, curtiu outros baratos, mas se enfarou. Aprendeu a acampar, transou com uma amiga dela – nada sério, nada fixo – fez yoga, relaxou.
Quinze anos da certeza de que aquilo nunca iria dar certo. Treze anos de amor intenso, sexo profundo. E vice-versa. Dois anos de um sentimento escroto a que chamaram “equilíbrio”.
Não mais falavam de si, pois que parecia - até a eles - que durava além da conta. Apenas sofriam dor aguda ao vislumbrar, em pesadelo ou sonho, momentos de ausência do outro. E seguiam assim, juntos, como que desafiando um suposto destino ou sem nada melhor a fazer.
Ele acordava sem fome. Causava-lhe enjôos o desjejum imperial da mulher. Suco, frutas, leite, pão, manteiga, queijo, geléia e tudo mais que ousasse fitá-la do fundo da geladeira. Cumpriam, diariamente, o diálogo exaustivamente ensaiado.
- Não sei como pode comer tanto pela manhã.
- Não sei como pode sair em jejum.
- Credo, Marta, suco, leite café… Blergh! Que nojo!
- Você é mesmo um fresco, Chico - e encerrava a discussão estendendo-lhe a língua coberta de papa, a fim de expulsá-lo de vez do banquete.
Meio período cumprido, era hora da revanche. O apetite daquele homem no almoço soava como afronta. Avançava sobre massas e carnes com a pressa de um batalhão de famintos. Para ela, salada verde e fruta fresca. Dois ou três goles d´água e o script ensaiado.
- Toda vez que almoçamos juntos penso em parar de comer carne.
- Depois de 15 anos, ainda não se decidiu?
- Ai, Chico, pelo menos mastiga antes de falar!
- Essa picanha é o bicho!
- Você é mesmo um grosso, Chico - e encerrava a discussão com o último gole d´água.
Fim do expediente, encontravam-se no carro. Costumavam vencer em silêncio os 13 quilômetros que os separavam de casa já ansiosos pelo início da desavença noturna. Mas não naquela noite.
Entraram calados, ficaram calados. Entreolharam-se por dois segundos - ela chegou a tomar fôlego -, seguiram em silêncio até que adormeceram, lado a lado, luz acesa.
Quatro da manhã, esbarraram pés e olhares na cama e se buscaram com fome. Esfregaram-se um ao outro com a maestria das putas e dos piratas, seus sexos em fúria. Desejaram-se tanto que dispensaram café e almoço, mataram o tédio e o trabalho num sem-fim de volúpia que se arrastou até a noite. Riram-se, juntos, do fôlego intenso. Dividiram, à tarde, um pequeno chocolate e encerraram o dia exaustos, massas inertes largadas sobre o tapete.
Ela acordou primeiro, correu ao chuveiro e, dali, à cozinha. Ele chegou minutos depois.
- Não sei como pode comer tanto pela manhã.
Eram, de novo, felizes.
Por Nana de Freitas
Trabalhavam juntos desde que se conheceram, durante o processo de seleção da empresa, há pouco mais de 15 anos. Ele gostava de praia. Ela, de montanha. Ele era fã de Beattles. Ela, de Stones. Ele direitista. Ela, de esquerda. O moço absurdamente careta, a moça “sempre aberta a novas experiências”.
Entrou como estagiária, foi assistente, gerente, superintendente e agora dirigia um dos setores da empresa. Deixou de fumar maconha, deixou de acampar com os amigos, parou de beijar as amigas, neoliberou geral.
Ele já começou no processamento de dados, mudou de área, de interesses e de hábitos e acabava coroado como diretor regional de marketing. Fumou o resto da maconha dela, curtiu outros baratos, mas se enfarou. Aprendeu a acampar, transou com uma amiga dela – nada sério, nada fixo – fez yoga, relaxou.
Quinze anos da certeza de que aquilo nunca iria dar certo. Treze anos de amor intenso, sexo profundo. E vice-versa. Dois anos de um sentimento escroto a que chamaram “equilíbrio”.
Não mais falavam de si, pois que parecia - até a eles - que durava além da conta. Apenas sofriam dor aguda ao vislumbrar, em pesadelo ou sonho, momentos de ausência do outro. E seguiam assim, juntos, como que desafiando um suposto destino ou sem nada melhor a fazer.
Ele acordava sem fome. Causava-lhe enjôos o desjejum imperial da mulher. Suco, frutas, leite, pão, manteiga, queijo, geléia e tudo mais que ousasse fitá-la do fundo da geladeira. Cumpriam, diariamente, o diálogo exaustivamente ensaiado.
- Não sei como pode comer tanto pela manhã.
- Não sei como pode sair em jejum.
- Credo, Marta, suco, leite café… Blergh! Que nojo!
- Você é mesmo um fresco, Chico - e encerrava a discussão estendendo-lhe a língua coberta de papa, a fim de expulsá-lo de vez do banquete.
Meio período cumprido, era hora da revanche. O apetite daquele homem no almoço soava como afronta. Avançava sobre massas e carnes com a pressa de um batalhão de famintos. Para ela, salada verde e fruta fresca. Dois ou três goles d´água e o script ensaiado.
- Toda vez que almoçamos juntos penso em parar de comer carne.
- Depois de 15 anos, ainda não se decidiu?
- Ai, Chico, pelo menos mastiga antes de falar!
- Essa picanha é o bicho!
- Você é mesmo um grosso, Chico - e encerrava a discussão com o último gole d´água.
Fim do expediente, encontravam-se no carro. Costumavam vencer em silêncio os 13 quilômetros que os separavam de casa já ansiosos pelo início da desavença noturna. Mas não naquela noite.
Entraram calados, ficaram calados. Entreolharam-se por dois segundos - ela chegou a tomar fôlego -, seguiram em silêncio até que adormeceram, lado a lado, luz acesa.
Quatro da manhã, esbarraram pés e olhares na cama e se buscaram com fome. Esfregaram-se um ao outro com a maestria das putas e dos piratas, seus sexos em fúria. Desejaram-se tanto que dispensaram café e almoço, mataram o tédio e o trabalho num sem-fim de volúpia que se arrastou até a noite. Riram-se, juntos, do fôlego intenso. Dividiram, à tarde, um pequeno chocolate e encerraram o dia exaustos, massas inertes largadas sobre o tapete.
Ela acordou primeiro, correu ao chuveiro e, dali, à cozinha. Ele chegou minutos depois.
- Não sei como pode comer tanto pela manhã.
Eram, de novo, felizes.
3 comments:
Vc é simplesmente maravilhosa....
Muito boa, leve, divertida, de bom gosto. Sucesso.
Fico feliz que tenham gostado e vou torcer para continuarem acompanhando. Um abração!
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