Wednesday, February 14, 2007

Silvio Vasconcelos


Bom Dia, meu Velho!

Quando acordou de manhã, havia uma velha deitada ao seu lado na cama. Ela emitia sons estranhos e seus traços lembravam sua sogra. Não, não poderia ter bebido tanto na noite anterior para ter acabado nos braços de sua sogra!

Levantou-se com dificuldade, como se seu corpo pesasse toneladas, procurou seu chinelo ao lado da cama e encontrou umas pantufas surradas que lhe aqueceram os pés.

Devagar e apoiando-se nos móveis chegou até o banheiro, onde molhou seu rosto, esfregou seus olhos e mirou assustado o espelho. Susto! Havia envelhecido quarenta anos: sua barba por fazer era branca numa pele flácida que lembrava seu avô; tufos de cabelos grisalhos saíam de suas narinas e ouvidos como se tivesse engolido um gato; suas mãos, agora as via melhor, tinham marcas marrons e avermelhadas, sobre uma pele murcha que deixava seus tendões sobressaírem-se feito cordas grosseiras de um velho violão; abriu seu roupão perante o espelho e quase caiu para trás. Estava aprisionado dentro de um velho corpo, com longos pêlos brancos pelo peito e pela barriga feita de peles caídas sobre seu sexo, que nem mais poderia ser chamado assim. Suas bolas pareciam estar tão pesadas que afundavam no vazio que era seu entre-pernas.

Voltou para o quarto e olhou aquela que parecia ser sua sogra, que nesse momento apanhava seus óculos no criado mudo e dizia:

- Adalto, meu velho, por que levantaste tão cedo?

Ele reforçou a suspeita que fosse sua sogra e sem jeito tratou de sair do quarto.
A casa era a mesma, mas possuía também rachaduras que lembravam rugas pelos cantos. Andou até o quarto dos meninos e o encontrou igual, com as mesmas flâmulas pelas paredes, um pôster do Che Guevara e uma faixa com uma canção do Ataualpa Yupanque “Yo tengo tantos hermanos...”. Parecia tudo normal, até demais... Como se tivesse sido abandonado há décadas, porém mantido feito mausoléu. A mobília empoeirada parecia ter sido esquecida, para alegria das teias de aranhas que se multiplicavam nas alturas. Em frente ao quarto, seguindo pelo corredor, o tapete de tão pisoteado, criara um trilho até a cozinha, onde agora ele se dirigia.
Chegando lá, a geladeira amarelada, o fogão, a mesa eram os mesmos com os mesmos traços amarrotados de seu corpo. As cadeiras estavam forradas, com um pano de estampa antiga, já puído.

Quis abrir a janela, porém havia novas trancas, como se quisessem aprisioná-lo naquele lugar. A porta estava chaveada, mas não teve dificuldade em sair ao quintal.

A grama crescida, sem flores e as paredes de três edifícios que cercaram seu quintal deixavam um ar lúgubre como se fosse o fundo de um cemitério de um filme antigo de Bela Lugosi.
Procurou seu cão, assobiou, chamou pelo Rex e nada. Olhou para trás e lá estava aquela mulher:
- Adalto, você chamou pelo Rex? Ele morreu há trinta anos meu velho.
Aquela intimidade lhe permitiu encontrar dentro daquele corpo mirrado da sogra, sua mulher atropelada pelo tempo.

Não havia dúvida. O tempo passara sem que ele tivesse se dado conta.

2 comments:

Anonymous said...

Sílvio, por incrível que pareça, só agora vim conhecer seus textos. Ótimos, por sinal. Esse "Bom dia, meu velho" é ideal pra essa geração "kidults", que tem terror de envelhecer. Bacana1

Anonymous said...

Beleza, beleza. Não conhecia o teu trabalho. Gostei. Uma agradável surpresa de uma tarde sábado de carnaval.

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