A voz do Povo
Por Jose Edi Nunes da Silva, o Jens
Uma notícia tá chegando lá do interior
não deu no rádio, no jornal ou na televisão
ficar de frente para o mar de costas para o Brasil
não vai fazer deste lugar um bom pais (*)
Um fantasma ronda o Brasil.
Calma. Não se trata do ectoplasma vermelho do comunismo, como poderiam pensar os mais apressadinhos. A entidade em questão é multirracial, alcunhada pejorativamente pelo segmento letrado da sociedade como povão, populacho, choldra, escumalha, ralé. Foram eles os grandes responsáveis pelos 46.661.741 votos obtidos pelo presidente Lula no 1º turno das eleições presidenciais. E são eles que podem assegurar a reeleição de Lula na votação do 2º turno, dia 29 de outubro. E é essa possibilidade que assombra as elites políticas e intelectuais do Brasil.
Até então essa turma não tinha voz e vez na política nacional. Concentrados no Nordeste, eram manipulados pela oligarquia local - velhos coronéis como Antonio Carlos Magalhães, na Bahia e Tasso Jereissati, no Ceará. Para onde iam os caciques a choldra seguia atrás, movida por promessas nunca cumpridas e eternamente renovadas ou mimos concretos como dentaduras novas ou um par de chinelos. Agora, algo mudou, os oligarcas foram para a direita e o povão dobrou à esquerda. O que aconteceu?
A novidade é que o Brasil não é só litoral
é muito mais é muito mais do que qualquer zona sul
tem gente boa espalhada por esse Brasil
que vai fazer desse lugar um bom pais
Menos desigualdade - Uma resposta simples: “É a economia, estúpido!”, como disse Bill Clinton ao explicar sua vitória sobre George Bush pai, em 1992, que vinha de uma retumbante vitória militar no Iraque enquanto em casa a economia chafurdava na recessão.
No Brasil, nos últimos quatro anos, o índice de desigualdade social passou de 0,573 (governos FHC) para 0,559 (governo Lula); a participação dos mais pobres na renda nacional subiu de 14,4% para 15,2%; o desemprego caiu de 12,2% para 9,6%; foram criados no governo Lula por volta de 6 milhões de empregos, dos quais quase 4 milhões com carteira assinada, contra 700 mil no governo FHC; o valor do salário mínimo subiu de 55 dólares para 152 dólares; seu poder de compra passou de 1,3 para 2,2 cestas básicas e a inflação caiu de 12,53% no final do governo FHC para 2,8% atuais; o programa Bolsa Família, criado no governo FHC, hoje atinge cerca de 11 milhões de famílias. Os dados, ainda que não exaustivos, apontam para políticas mais estruturais. Esses números, transpostos para o dia-a-dia, significam uma efetiva mudança na vida das classes menos favorecidas. Não tão intensa como seria desejável, mas, sem dúvida, as coisas estão mudando para melhor. Para os mais pobres.
Considerando que agir de acordo com seus interesses não é exclusividade das elites, o povo fez a sua avaliação das políticas de governo e assumiu o seu lugar de sujeito político, recusando o cabresto e escolhendo de acordo com as suas conveniências.
Aqui vive um povo que merece mais respeito, sabe?,
e belo é o povo como é belo todo o amor
aqui vive um povo que é mar e que é rio
E seu destino é um dia se juntar
Pobres, negros e ignorantes - A autonomia popular gerou estupefação e revolta na “elite branca” (na expressão de Cláudio Lembo, governador de São Paulo) e manifestou-se de forma irada no seu braço midiático. Pesquisa realizada pelo Datafolha, identificou que dos 34 milhões de eleitores nordestinos, 24 milhões estudaram até o nível médio e possuem renda familiar que não supera os 700 reais. Como Lula conquistou cerca de 65% dos votos do Nordeste, os analistas do status quo concluíram que o tucano é o candidato dos ricos, brancos e escolarizados do Sul maravilha, e Lula é o candidato dos pobres, negros e ignorantes Nordeste atrasado. Ainda segunda esta interpretação, os últimos dariam pouco valor às questões ética e morais, uma vez que não se deixaram emprenhar pela catilinária exaustivamente repetida por todos os grandes órgãos da mídia no último ano, tentando vincular pessoalmente o presidente Lula a atos de corrupção, condenáveis, por certo, mas que não são privilégio do PT. Esta avaliação resgata uma idéia cara aos valores da “elite branca”, que reza que pobre, negro e com pouco estudo não tem condições de escolher governantes. Só poderiam fazê-lo aqueles com estudo "superior" a que os pobres nunca tiveram acesso neste país, como se fosse preciso estudar para saber se a própria vida está melhorando ou piorando.
Claro que naqueles momentos em que os pobres, negros e ignorantes acompanharam as preferências eleitorais da elite ninguém buscou expor com tanto alarde seu nível de renda, cor da pele e grau de instrução. Isso acontecia, por exemplo, quando essa parte dos brasileiros votava no PSDB.
Trata-se, portanto, de mais um exercício de hipocrisia. Um empresário deixaria de votar num candidato que realmente estivesse decidido a baixar impostos, mesmo que sobre ele pairassem suspeitas de corrupção? Claro que não. Votaria com o bolso. Todo mundo age assim, colocando em primeiro lugar os seus interesses materiais. Porque o povo pobre deveria fazer diferente e deixar de votar em quem o beneficia?
Impossibilitada de pautar o debate político no desempenho da economia, em razão dos avanços realizados na área pelo governo Lula, a mídia conservadora tentou marcar o confronto pela discussão da moralidade e da ética. Os deserdados da terra, percebendo o telhado de vidro dos acusadores, optaram pela economia e escolheram respondendo a duas perguntas: a vida ficou melhor ou pior? Pode melhorar mais?
O resultado foi o que se viu no 1º turno e as pesquisas indicam para o 2º: Lula lá.
***
Exemplo da lógica popular é o depoimento Eriberto, porteiro de um prédio no Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro. Indagado sobre porque votou e vai votar novamente em Lula, explicou:
"Meu avô mora na Paraíba. O maior problema lá é seca e emprego. O governo do Lula construiu uma cisterna na roça dele, pra recolher a água da chuva pro resto do ano. E emprestou um dinheirinho, que deu pra ele comprar umas cabras. Com um tempão pra pagar e juros bem baixinhos. Produz leite e queijo. E não carece mais de viajar léguas pra pegar água. Os outros governos mandavam construir açude nas terras dos donos mais ricos. Ia me esquecendo: também mandou colocar luz elétrica".
Pois é, simples assim. Quem pode dizer que ele está errado?
***
(*) Notícias do Brasil, de Milton Nascimento e Fernando Brandt
Uma notícia tá chegando lá do interior
não deu no rádio, no jornal ou na televisão
ficar de frente para o mar de costas para o Brasil
não vai fazer deste lugar um bom pais (*)
Um fantasma ronda o Brasil.
Calma. Não se trata do ectoplasma vermelho do comunismo, como poderiam pensar os mais apressadinhos. A entidade em questão é multirracial, alcunhada pejorativamente pelo segmento letrado da sociedade como povão, populacho, choldra, escumalha, ralé. Foram eles os grandes responsáveis pelos 46.661.741 votos obtidos pelo presidente Lula no 1º turno das eleições presidenciais. E são eles que podem assegurar a reeleição de Lula na votação do 2º turno, dia 29 de outubro. E é essa possibilidade que assombra as elites políticas e intelectuais do Brasil.
Até então essa turma não tinha voz e vez na política nacional. Concentrados no Nordeste, eram manipulados pela oligarquia local - velhos coronéis como Antonio Carlos Magalhães, na Bahia e Tasso Jereissati, no Ceará. Para onde iam os caciques a choldra seguia atrás, movida por promessas nunca cumpridas e eternamente renovadas ou mimos concretos como dentaduras novas ou um par de chinelos. Agora, algo mudou, os oligarcas foram para a direita e o povão dobrou à esquerda. O que aconteceu?
A novidade é que o Brasil não é só litoral
é muito mais é muito mais do que qualquer zona sul
tem gente boa espalhada por esse Brasil
que vai fazer desse lugar um bom pais
Menos desigualdade - Uma resposta simples: “É a economia, estúpido!”, como disse Bill Clinton ao explicar sua vitória sobre George Bush pai, em 1992, que vinha de uma retumbante vitória militar no Iraque enquanto em casa a economia chafurdava na recessão.
No Brasil, nos últimos quatro anos, o índice de desigualdade social passou de 0,573 (governos FHC) para 0,559 (governo Lula); a participação dos mais pobres na renda nacional subiu de 14,4% para 15,2%; o desemprego caiu de 12,2% para 9,6%; foram criados no governo Lula por volta de 6 milhões de empregos, dos quais quase 4 milhões com carteira assinada, contra 700 mil no governo FHC; o valor do salário mínimo subiu de 55 dólares para 152 dólares; seu poder de compra passou de 1,3 para 2,2 cestas básicas e a inflação caiu de 12,53% no final do governo FHC para 2,8% atuais; o programa Bolsa Família, criado no governo FHC, hoje atinge cerca de 11 milhões de famílias. Os dados, ainda que não exaustivos, apontam para políticas mais estruturais. Esses números, transpostos para o dia-a-dia, significam uma efetiva mudança na vida das classes menos favorecidas. Não tão intensa como seria desejável, mas, sem dúvida, as coisas estão mudando para melhor. Para os mais pobres.
Considerando que agir de acordo com seus interesses não é exclusividade das elites, o povo fez a sua avaliação das políticas de governo e assumiu o seu lugar de sujeito político, recusando o cabresto e escolhendo de acordo com as suas conveniências.
Aqui vive um povo que merece mais respeito, sabe?,
e belo é o povo como é belo todo o amor
aqui vive um povo que é mar e que é rio
E seu destino é um dia se juntar
Pobres, negros e ignorantes - A autonomia popular gerou estupefação e revolta na “elite branca” (na expressão de Cláudio Lembo, governador de São Paulo) e manifestou-se de forma irada no seu braço midiático. Pesquisa realizada pelo Datafolha, identificou que dos 34 milhões de eleitores nordestinos, 24 milhões estudaram até o nível médio e possuem renda familiar que não supera os 700 reais. Como Lula conquistou cerca de 65% dos votos do Nordeste, os analistas do status quo concluíram que o tucano é o candidato dos ricos, brancos e escolarizados do Sul maravilha, e Lula é o candidato dos pobres, negros e ignorantes Nordeste atrasado. Ainda segunda esta interpretação, os últimos dariam pouco valor às questões ética e morais, uma vez que não se deixaram emprenhar pela catilinária exaustivamente repetida por todos os grandes órgãos da mídia no último ano, tentando vincular pessoalmente o presidente Lula a atos de corrupção, condenáveis, por certo, mas que não são privilégio do PT. Esta avaliação resgata uma idéia cara aos valores da “elite branca”, que reza que pobre, negro e com pouco estudo não tem condições de escolher governantes. Só poderiam fazê-lo aqueles com estudo "superior" a que os pobres nunca tiveram acesso neste país, como se fosse preciso estudar para saber se a própria vida está melhorando ou piorando.
Claro que naqueles momentos em que os pobres, negros e ignorantes acompanharam as preferências eleitorais da elite ninguém buscou expor com tanto alarde seu nível de renda, cor da pele e grau de instrução. Isso acontecia, por exemplo, quando essa parte dos brasileiros votava no PSDB.
Trata-se, portanto, de mais um exercício de hipocrisia. Um empresário deixaria de votar num candidato que realmente estivesse decidido a baixar impostos, mesmo que sobre ele pairassem suspeitas de corrupção? Claro que não. Votaria com o bolso. Todo mundo age assim, colocando em primeiro lugar os seus interesses materiais. Porque o povo pobre deveria fazer diferente e deixar de votar em quem o beneficia?
Impossibilitada de pautar o debate político no desempenho da economia, em razão dos avanços realizados na área pelo governo Lula, a mídia conservadora tentou marcar o confronto pela discussão da moralidade e da ética. Os deserdados da terra, percebendo o telhado de vidro dos acusadores, optaram pela economia e escolheram respondendo a duas perguntas: a vida ficou melhor ou pior? Pode melhorar mais?
O resultado foi o que se viu no 1º turno e as pesquisas indicam para o 2º: Lula lá.
***
Exemplo da lógica popular é o depoimento Eriberto, porteiro de um prédio no Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro. Indagado sobre porque votou e vai votar novamente em Lula, explicou:
"Meu avô mora na Paraíba. O maior problema lá é seca e emprego. O governo do Lula construiu uma cisterna na roça dele, pra recolher a água da chuva pro resto do ano. E emprestou um dinheirinho, que deu pra ele comprar umas cabras. Com um tempão pra pagar e juros bem baixinhos. Produz leite e queijo. E não carece mais de viajar léguas pra pegar água. Os outros governos mandavam construir açude nas terras dos donos mais ricos. Ia me esquecendo: também mandou colocar luz elétrica".
Pois é, simples assim. Quem pode dizer que ele está errado?
***
(*) Notícias do Brasil, de Milton Nascimento e Fernando Brandt
2 comments:
Muito bom o texto, companheiro Jens. Como disseste: é simples, é claro, é óbvio. Por isso, deu Lula de novo. E, se os golpistas forem neutralizados - e estou certo de que serão -, 2014 está aí...
Grande artigo, Jens. Digno das melhores edições de Carta Capital ou Caros Amigos. Quanto aos porteiros dos prédios, surgiu um movimento dos dondocas rebeldes e inconformados do PSDB que, para se vingarem dos porteiros, entregadores, lixeiros, pela vitória do Lula, estão mandando emeios convocando suas comadres a não darem panetone para os porteiros no Natal. Ao comentar isto com um amigo e o porteiro do seu prédio, este sugeriu que os dondocas enfiassem os panetones nos respectivos porta panetones.
Post a Comment