Thursday, March 01, 2007

O Povo e o Livro





Ser ou não ser Literatura: uma arbitrariedade?
Por Halem “Quelemén” de Souza

Em edição passada desta coluna, aqui no REAÇÃO CULTURAL, escrevi a respeito de Sidney Sheldon e afirmei não possuir ele nenhum mérito literário, embora não seja desagradável lê-lo. As observações feitas, na seção de comentários, naquela ocasião, e a consulta posterior a algumas de minhas anotações me estimularam a continuar a debater o que se define ou o que se entende por Literatura.

Para tanto, lançarei mão de um livro fundamental para todos os interessados no fenômeno literário: “As contraliteraturas”, do escritor argelino Bernard Mouralis (Coimbra, Alamedina, 1982). Mouralis adverte em seu livro que a Literatura é uma das “mitologias do nosso tempo” e, em sua análise, recorre a diversas perspectivas: sociológica, histórica, educacional, política, estética. E afirma:

“Se, como podemos esperar, o conhecimento das obras 'literárias' vai diminuindo à medida que nos afastamos das classes mais favorecidas, o reconhecimento da literatura como valor encontra-se, pelo contrário, no conjunto de respostas dados pelas diversas categorias interrogadas. Descobrimos assim a existência de um mito da literatura cuja origem não assenta necessariamente numa experiência e numa prática pessoais da leitura, mas que, de certa maneira, é proposta do exterior como modelo.”

Desse modo, a chamada “grande literatura” “tende a impor-se do centro para a periferia do corpo social”. Sendo, ao mesmo tempo , “uma instituição, um corpus e um sistema”, a Literatura é um conceito de difícil definição. “Mas a impossibilidade em que nos encontramos de dar à literatura uma definição teórica não impede de forma alguma que esta exista de modo muito concreto e que seja entendida como tal sem a menor ambigüidade”, lembra-nos Mouralis.

Com o tempo, certas obras são consideradas como exemplo de arte literária e constituem o cânone, que estabelece o que é “bom” e o que é “ruim”. Mas cabe a pergunta: por que se escolheram estas obras e não outras? Pode-se responder que nelas há uma qualidade estética ímpar. Mas quem define esta qualidade? Não se pode negar aqui a dimensão política da questão estética. Basta lembrar a máxima marxista, exposta em a “Ideologia Alemã” - e não sei por que insistem tanto em falar de superação do Marxismo! - de que “a ideologia da classe dominante acaba por se tornar a ideologia da sociedade como um todo”...

Os critérios estéticos, internos e circunscritos – em sua maioria, subjetivos – das obras não são, portanto suficientes para determinar a “literariedade” de uma obra. Ainda mais na contemporaneidade. Como afirma Mouralis, o estatuto (ser o não ser literário) de uma obra “constitui o produto de uma convenção e não assenta, por isso, em nenhuma característica própria da obra. É por isso que uma mesma obra ou um mesmo tipo de obras podem muito bem ver o seu estatuto modificar no tempo ou de um lugar para outro.”

Diante disso, vale afirmar que tal livro é Literatura e que aquele outro já não é? Penso que sim. Embora seja fluida sua definição teórica, e determinada, em última análise, por posições políticas e visões ideológicas, ao lado de concepções estéticas, a Literatura é um campo de escolhas. E a partir da escolha feita, saímos a campo, defendendo ou atacando, transformando-nos como leitores, ao mesmo tempo que desejamos transformar os outros. Em breve, realizarei uma análise mais aprofundada do livro “As contraliteraturas” em meu blog pessoal.

3 comments:

Anonymous said...

Muito bom, Halem.
Acho que você matou a cobra quando escreveu que "a Literatura é um campo de escolhas". E mostrou o pau (não este, o outro - o que matou a cobra) quando concluiu que "a partir da escolha feita, saímos a campo, defendendo ou atacando, transformando-nos como leitores, ao mesmo tempo que desejamos transformar os outros".

Anonymous said...

Combatente Jens, por uma questão de justiça, devo dizer que essa postagem foi motivada pelas observações contidas nos comentários anteriores feitos a essa coluna, inclusive os seus. Um abraço.

Jean Scharlau said...

Legal! Recomendo a leitura lá no www.olobo.net, coluna Literatura do texto do Arakem "O que é um bom livro". Há uma contribuição boa lá para o tema.

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