Monday, January 29, 2007

NOVELA


Título da “novela”: República do Sol
Por Luciano Piccazio

Título do capítulo 1: Aquele do primeiro dia...

Sentado na sacada, eu via aqueles prédios baixinhos, uma ou duas estrelas no céu, um barzinho e uma cruz iluminada no alto de uma igreja. Minha casa, depois de 23 anos morando na casa dos meus pais! Mal conseguia acreditar nisso. Enquanto comia um sanduíche, o Vico arrastava algumas caixas para o quarto dele. A Fê tirava foto de tudo. Ela acha linda a casa como está, cheia de caixas, parecendo um depósito - tem aqueles olhares artísticos que conseguem ver beleza em quase tudo.

Fê e Vico são dois dos meus melhores amigos. Se conheceram logo na primeira semana de aulas da faculdade e poucos tempo depois começaram a namorar. Estão juntos há dois anos, e não há pessoa no mundo que os conheça e diga que não são um casal fantástico.

Quando entrei na faculdade demoramos um pouco para ficarmos amigos; fomos nos conhecendo aos poucos. Com o passar do tempo, ficamos mais e mais íntimos. Uma coisa, além de tantas afinidades, nos unia: o desejo enorme de sair (ou fugir) de casa. Eles já trabalhavam, mas ainda não podiam pagar um apê. Quando consegui minha bolsa de iniciação científica e passei a ganhar uma graninha (um pouco mais do que um salário mínimo), decidimos rachar uma casa.

É uma casa com dois quartos, sala, cozinha, banheiro, varandinha e uma área de serviço. Terceiro andar de um prédio sem elevadores, perto da USP, do lado de um botequinho com cerveja barata. Resumindo, tudo que a gente precisa.

Terminei meu sanduíche, levantei, peguei as garrafas de vodca que tínhamos ganhado de presente dos nossos amigos e chamei o Vico e a Fê pro meio da sala. Eram nove horas da noite, e ficamos lá bebendo e conversando, ouvindo música e tocando violão, até amanhecer. Nós nos sentíamos bem, nos sentíamos vivos. Pela primeira vez na vida, éramos nossos donos.

Então dormimos no chão mesmo e só acordamos com nossos amigos batendo na porta. Eram quatro da tarde de domingo e eles vinham para comemorar a nossa liberdade com a gente. A nossa intenção era fazer da nossa república uma casa para todos os nossos amigos. Um ponto obrigatório semanal - diário para alguns.

Então levantamos, escovamos os dentes e partimos para preparar o almoço de miojo com cerveja. Trouxeram muita cerveja. Nossa vida começava, e começava bem.

Eu confesso que em alguns momentos voltava minha atenção para meu celular. Ficava vendo se uma amiga ligava. Era uma amiga de infância, que tinha reencontrado há algum tempo. Ela não ligou, nem eu liguei. Depois de uma certa hora, desisti de esperar e me esqueci tocando violão.

Eram dez da noite quando a campainha tocou. Não esperávamos ninguém, por isso o pessoal ficou meio quieto. Eu, já mais pra lá do que pra cá, fiquei só olhando. A Mariana foi ver quem era pelo olho mágico e voltou o rosto para nós com a cara assustada: é seu pai, Chico.

Fodeu, pensei. Meu pai, no meu primeiro dia de república, de vida independente, me ver bêbado tal qual um gambá. Acho que foi reação instantânea, mas voei para o quarto, e de lá fiquei num lugar escondido. Como se estivesse brincando de esconde-esconde.

Abriram a porta pra ele e o receberam. Todos muito polidos e bêbados. Pensava quão ridículo era aquela situação, como se toda a minha luta não tivesse valido pra nada. Como se eu continuasse a ser aquele menino pequeno e dependente de amor, carinho, aceitação do pai. Depois de uns quinze minutos, vi quão ridículo estava sendo. Se meu pai quisesse me ver, me veria como fosse, bêbado ou não.

Saí do quarto com o orgulho na mão, não sabendo qual seria o fim dele. Quando vi, meu pai estava tomando um shot de vodca, rindo e jogando truco. Estava em casa, e vi que tudo ficaria bem. E meu coração voltou pro peito.

(continua)

Luciano Piccazio Ornelas
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