Canto dos Versos
FEMEANDO A FOME-FEBRE
Por Joaquim "Joshua" dos Santos
Mundo de sopa e de sapo, tripa e trapo,
merda e esperma, abram alas à miséria, fivela na favela,
sul-américa da massa imensa.
Tenho sonho-sede príncipe
de seda em pele e pêlo de ela,
boca, dente, pêlo, pele,
tua carne-país de vida e de morte bela.
Abutrem-te embora os ingénuos e os lobos,
hienem-te, triturando-te toda em ossos, os muitos, os todos, os sempre.
Abram-te o ventre eles, embora, e não este que te evoca viva,
mesmo morta.
Acolhes, acolhes sempre o falo das altri-falências ferinas,
a tripa dura, fraudulenta e lucrativa, entra, entrava, em ti aberta,
entrave, bloco sem beijo, sem ave, desalada, desolada.
Mas que puta não te chamem entre a chama!
Tu, duplamente na rua e triplamente desvalida,
castrada pelos negócios privados da gente abotoada
com tempo para dar esmolas
na tua boca, no ânus que lhes cedes…
Precisavam de um livro de reclamações esses teus rasgões em cruz,
boca, ventre, escatofuro.
O teu país-carne não tem toda a fúria que devera.
E é tarde. Jazes hirta, verminosa.
Por que não reclamas o haver frio na rua
e vestida teres a alma semi-nua,
semi-crua entre o pó que volita livre?
Arde, grita, morde a verdade, ao menos. Por que calas?
Há o que te irmana com o barbudo Melquisedec ou Matusalém
que vive debaixo de uma ponte veado e viaduto
e nada tem de seu, ou a nada chama «seu»
(coisa desaprendida ter alguma coisa: só fome, vontade de cagar, sono,
vontade de foder, embora, rodeado de pássaros e de carros a passar
e de árvores quietas,
até isso seja pertença do lado de lá, mundo há muito abandonado!)
sem mobília ou electrodomésticos
somente esse entulho que o rodeia e a que vagamente chama cama e cozinha em vez de lixo,
o que te irmana com o pedinte das moedinhas,
andrajoso, magro e com ar de não ter nascido para cabisbaixar-se à lei do mercado,
mas à liberdade pura de um nomadismo húmido e fedorento sob o sol, a chuva,
e os escapes da cidade fedorenta!
Quanto te irmana dele! Quanto dele dimanas tu, mulher de nada!
E é bom estar irmanado com alguém
que não tenha cartão de crédito, nem crédito,
que não tenha quintas nem chalés nem chaleiras fumegantes:
por uma vez ainda bem que encontras irmãos no mundo que terão por casa
apenas a madeira-limite que abriga e aconchega na medida em que apodreça.
Esses irmãos não olharão para o teu calçado salto-alto cambaleante,
(ou talvez até olhem, encontramos cada paradoxo nesta vida!),
comentando «não ter jeito nenhum andares em pleno Inverno de salto-alto, de pés nus, ao frio»,
mesmo que estejas morta,
não compararão a roupa monótona e já suja que usas com a deles,
Esses irmãos do nada, da chuva e do sol,
mandar-te-ão rezar a uma divindade que sonda os corações
e mete cunhas por todos nós, a ver se voltas ao mundo dos que ganham dinheiro
sem meter o corpo de mais nesse assunto porco de ganhar dinheiro.
Efectivamente rezarás confiante e cheia de esperança
que te não chamem puta,
porque não tens ironias nem esgares sardónicos
para com o teu santo preferido,
também ele desempregado,
esquecido e negligenciado,
como se não existisse e o que tivesse dito,
de tão absoluto, até fosse relativo.
Que não te chamem puta, Anjo da Rua.
Mundo de sopa e de sapo, tripa e trapo,
merda e esperma, abram alas à miséria, fivela na favela,
sul-américa da massa imensa.
Tenho sonho-sede príncipe
de seda em pele e pêlo de ela,
boca, dente, pêlo, pele,
tua carne-país de vida e de morte bela.
Abutrem-te embora os ingénuos e os lobos,
hienem-te, triturando-te toda em ossos, os muitos, os todos, os sempre.
Abram-te o ventre eles, embora, e não este que te evoca viva,
mesmo morta.
Acolhes, acolhes sempre o falo das altri-falências ferinas,
a tripa dura, fraudulenta e lucrativa, entra, entrava, em ti aberta,
entrave, bloco sem beijo, sem ave, desalada, desolada.
Mas que puta não te chamem entre a chama!
Tu, duplamente na rua e triplamente desvalida,
castrada pelos negócios privados da gente abotoada
com tempo para dar esmolas
na tua boca, no ânus que lhes cedes…
Precisavam de um livro de reclamações esses teus rasgões em cruz,
boca, ventre, escatofuro.
O teu país-carne não tem toda a fúria que devera.
E é tarde. Jazes hirta, verminosa.
Por que não reclamas o haver frio na rua
e vestida teres a alma semi-nua,
semi-crua entre o pó que volita livre?
Arde, grita, morde a verdade, ao menos. Por que calas?
Há o que te irmana com o barbudo Melquisedec ou Matusalém
que vive debaixo de uma ponte veado e viaduto
e nada tem de seu, ou a nada chama «seu»
(coisa desaprendida ter alguma coisa: só fome, vontade de cagar, sono,
vontade de foder, embora, rodeado de pássaros e de carros a passar
e de árvores quietas,
até isso seja pertença do lado de lá, mundo há muito abandonado!)
sem mobília ou electrodomésticos
somente esse entulho que o rodeia e a que vagamente chama cama e cozinha em vez de lixo,
o que te irmana com o pedinte das moedinhas,
andrajoso, magro e com ar de não ter nascido para cabisbaixar-se à lei do mercado,
mas à liberdade pura de um nomadismo húmido e fedorento sob o sol, a chuva,
e os escapes da cidade fedorenta!
Quanto te irmana dele! Quanto dele dimanas tu, mulher de nada!
E é bom estar irmanado com alguém
que não tenha cartão de crédito, nem crédito,
que não tenha quintas nem chalés nem chaleiras fumegantes:
por uma vez ainda bem que encontras irmãos no mundo que terão por casa
apenas a madeira-limite que abriga e aconchega na medida em que apodreça.
Esses irmãos não olharão para o teu calçado salto-alto cambaleante,
(ou talvez até olhem, encontramos cada paradoxo nesta vida!),
comentando «não ter jeito nenhum andares em pleno Inverno de salto-alto, de pés nus, ao frio»,
mesmo que estejas morta,
não compararão a roupa monótona e já suja que usas com a deles,
Esses irmãos do nada, da chuva e do sol,
mandar-te-ão rezar a uma divindade que sonda os corações
e mete cunhas por todos nós, a ver se voltas ao mundo dos que ganham dinheiro
sem meter o corpo de mais nesse assunto porco de ganhar dinheiro.
Efectivamente rezarás confiante e cheia de esperança
que te não chamem puta,
porque não tens ironias nem esgares sardónicos
para com o teu santo preferido,
também ele desempregado,
esquecido e negligenciado,
como se não existisse e o que tivesse dito,
de tão absoluto, até fosse relativo.
Que não te chamem puta, Anjo da Rua.
Por Joaquim "Joshua" dos Santos
Nasci numa terra litorânea portuguesa em pleno noroeste ibérico e, antes de olhar para o mundo, já ganhava raízes e apegos apaixonados a essa pequena parcela de mundo, sonhando em voar só com a força da vontade e sem motores, enquanto olhava um céu sempre povoado de aviões comerciais, pardais e outros pássaros num voo baixo ruidosamente invitativo.
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