Arquitetura Social
Por Cristina Bondezan
Nos meus tempos de Faculdade eu gostava de pensar a arquitetura muito além do que simplesmente o casamento da técnica com a arte , ou o aprendizado dos estilos, ou ainda o exercício da percepção , do equilíbrio e da estética - pressentia mais, idealizava o cumprimento de uma função social.
Rejeitava o rótulo fácil que nos davam de seres especiais ou artistas criadores destinados a servir apenas a alta e abastada burguesia, detestava quando nos consideravam confeiteiros do bolo construtivo, o glacê, o superficial e para muitos , supérfluo. Era intragável a frescura para os conscientes da realidade brasileira pobre e carente .
Felizmente os tempos mudaram e a modernidade exige uma nova postura dos profissionais lançados ao mercado: no mínimo que estejam informados e sensibilizados com nossos problemas crônicos , não só agravados pelas dimensões físicas, continentais , mas predominantemente pela incompetência e falta de seriedade na política . Temos hoje a oportunidade de exercer a flexibilidade técnica tanto no desenvolvimento de projetos sofisticados como num trabalho social junto a população de baixa renda , bastando para isso que nossa principal matéria prima- a criatividade – esteja estimulada pela pesquisa , alicerçada pela informação, e apoiada pela tecnologia.
Vivemos num país com um déficit habitacional absoluto de 7,9 milhões de moradias , número que significa a quantidade de habitações que precisam ser construídas para que todos os brasileiros tenham moradia digna ( dados de 2004/ Sinduscom ).
E o que seria o acesso a uma moradia digna? Entre outras coisas, terrenos regularizados, pagos e com saneamento básico; Projetos economicamente viáveis e asseguradas as condições mínimas de salubridade, insolação, acessibilidade , conforto - e por que não? Com estética. O conceito de forma e função nunca foi tão atual, precisamos apenas do esforço de cada profissional e da mudança de paradigmas existentes no meio empresarial público ou privado, via de regra fundamentadas no lucro rápido e fácil em detrimento da qualidade de vida da população de baixa renda.
Cabe ao arquiteto, entre outras, a nobre missão de planejar o crescimento das cidades, as quais desde a década de 70 crescem num ritmo vertiginoso e desordenado sobretudo por conta do êxodo rural ininerrupto, conseqüência direta da falta de uma política de incentivo ao campo . O que assistimos cotidianamente e bem diante dos nossos narizes é o crescimento da cidade marginal e clandestina dentro da cidade legal; Barracos se amontoam nas áreas públicas não fiscalizadas , reforço indiscutível da violência, da fome, a agressão ao meio físico .
Desejosa de contribuir com meu país através do exercício profissional, juntei-me há três anos a um amigo,também arquiteto e idealista para juntos elaborarmos uma Cartilha da Construção... Um "BE-A-BÁ" direcionado à população menos informada , que constrói precariamente e na clandestinidade , com materiais de péssima qualidade e com vícios construtivos equivocados, herdados ou passados no “boca a boca” da informalidade.
A linguagem é pra lá de coloquial, nada técnica, bem humorada, ilustrada. São dicas construtivas para aqueles que cada vez mais são empurrados para bem longe da informação .
Esse trabalho voluntário e sem qualquer fim lucrativo foi distribuído em comunidades de bairros, em lojas de materiais de construção e também para alunos de engenharia e arquitetura. Nessa empreitada, cuja primeira edição com tiragem de 10.000 exemplares já está totalmente distribuída e conhecida em vários pontos do Brasil , contamos com a parceria do nosso Conselho profissional e do Rotary Club , sentimos que o objetivo precípuo foi alcançado, apesar de ainda ser uma gota no oceano das necessidades brasileiras .
Há muito a se fazer.
Dicas da Cartilha
Na letra L temos laje e as dicas principais são :
- Procure comprar a laje numa empresa de bom nome na praça - nesse ramo, referências são muito importantes.
-Não se deixe enganar : Lajes do mesmo tipo não variam tanto de preço , pois ninguém faz milagres! Portanto, desconfie das muito baratas!
- Exija nota fiscal e manual de instruções para a montagem da laje. Não fique longe..acompanhe , tenha interesse !
-O fabricante é obrigado a ter um engenheiro ou arquiteto responsável pelo produto. Exija um documento chamado ART - que comprova o nome do profissional responsável e respectiva inscrição no Conselho de Engenharia e Arquitetura.
-As vigotas ( trilhos ) devem ter , no mínimo, 7cm de altura e a capa de concreto 4cm de espessura aplicada na laje umidecida.
Em outra parte da Cartilha damos Dicas sobre o projeto :
- Garagem para 1 carro deve ter , no mínimo, 2,50m de largura por 4,50m de comprimento.
- Se você colocar área de serviço e cozinha na frente da casa, terá menos corredor interno e maior aproveitamento do espaço.
-Os quartos devem estar voltados para o sol da manhã, se possível.
-As áreas molhadas ( banheiros, cozinha e área de serviço ) devem estar de preferência do mesmo lado da casa e o mais próximo uns dos outros - essa providência resulta em economia e facilita o escoamento do esgoto.
Dicas burocráticas : A "Papelada"
- Antes de comprar um terreno, exija a documentação : escritura ou contrato registrado s em cartório.
- Verifique , antes de fechar a compra, se não existem dívidas pendentes de água e esgoto sobre o terreno.
-Lembre-se : Se é sua primeira obra e tem no máximo 70,00m² de área, você não deverá pagar INSS .
Cristina Bondezan é arquiteta e urbanista. Nasceu e cresceu em São Paulo entre os italianos dos bairros do Cambucí e da Mooca. Exerceu cargos públicos na área de Planejamento Urbano, é docente do curso de "Design de Interiores "nas disciplinas : Projetos, Revestimentos , Gestão e Empreendedorismo. Seu escritório profissional situa-se na cidade de Marília, interior de SP . Um sonho : Ver o Brasil livre do parasitismo político . Um prazer : viver em amplitude e com olhos atentos...
2 comments:
Gosto também deste seu lado mais "sério" minha linda. ;-)
E as dicas que dá são úteis para todo o mundo mesmo sem ser arquitecto. Sorte para este novo projecto.
(eu é que ando sem tempo, sem tempo....)
bom comeco
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