Tuesday, October 03, 2006

O Povo e o Livro


EULÁLIO DE SOUZA SALÃTHIEL E A POLÍTICA

O nome expresso no título deste artiguete poderia ser o de um histórico parlamentar brasileiro, exemplo para os atuais congressistas, no momento, tão desprestigiados junto a opinião pública. Mas não é. Na verdade, trata-se de uma personagem ficcional, chamada ao longo da narrativa também de Lalino ou, simplesmente, Laio. E nem é político: entretanto, a seu, modo, influencia os rumos da disputa eleitoral do lugar de onde proveio.

Tal personagem encontra-se na novela Traços Biográficos de Lalino Salãthiel ou A volta do marido pródigo, que integra a obra Sagarana*, de João Guimarães Rosa.

Lalino é um malandro; contudo, um malandro roseano, o que faz toda a diferença. Assim ele é descrito:

“Lalino Salãthiel vem bamboleando, sorridente. Blusa cáqui, com bolsinhos, lenço vermelho no pescoço, chapelão, polainas, e, no peito, um distintivo, não se sabe bem de quê. Tira o chapelão: cabelos pretíssimos, com as ondas refulgindo de brilhantina borora.”

Morador de cidade pequena, do interior de Minas, decide ampliar horizontes e zarpa para o Rio de Janeiro. Entre sucessos e percalços (rapidamente descritos pelo narrador) retorna à localidade de origem e aí é que se mete na politicagem sem, todavia, procurá-la conscientemente.

Com sua habilidade para inventar historietas e patranhas, cai nas graças do Major Anacleto, mandante poderoso na região e do Tio Laudônio, espécie de “eminência parda” do major. Era o cabo eleitoral perfeito para convencer eleitores e apoiadores em um ambiente em que os “coronéis”, chefes políticos de feição paternalista, precisavam construir laços de adesão duráveis - pelo menos até o fim das eleições.

A volta do marido pródigo destoa da maioria dos escritos de Guimarães Rosa por ser muito bem-humorado: encontra paralelo, talvez, apenas em Corpo Fechado, outra novela de Sagarana, que é igualmente alegre.

Certamente, percebe-se, na pequena saga de Lalino, o esmero roseano típico para escolher a palavra exata: por exemplo, neste maravilhoso trecho, no qual se mesclam ironia e crítica à política nacional:

“Major Anacleto relia - pela vigésima-terceira vez - um telegrama do Compadre Vieira, Prefeito do Município, com transcrições de um outro telegrama, do Secretário do Interior, por sua vez inspirado nas anotações que o Presidente do Estado fizera num anteprimeiro telegrama, de um ministro conterrâneo. E a coisa viera vindo, do estilo dragocrático-mandológico-coactivo ao cabalístico-estatístico, daí para o messiânico-palimpséstico-parafrástico, depois para o cozinhativo-compadresco-recordante, e assim, de caçarola a tigela, de funil a gargalo, o fino fluido inicial se fizera caldo gordo, mui substancial e eficaz, tudo isto entre parênteses, para mostrar uma das razões por que a política é ar fácil de respirar - mas para os de casa, que os de fora nele abafam, e desistem. [grifo meu]

Eulálio de Souza Salãthiel, conhecido como Lalino, mulato tocador de violão, envolvido no processo eleitoral quase que por diversão, não respira esses ares. No fundo, ri dos políticos, porque percebe o quanto há de manipulação nesse meio. E salva-se. E parece ser isso o que nos aconselha essa narrativa, publicada em 1946: afastamento crítico dessa atividade que já foi definida como “ a arte do possível”

*ROSA, João Guimarães. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.


Halem Souza (Quelemén)
Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Sou "um hóspede do tempo"(Zélia Duncan).Mas enquanto não passo, vou contando e lendo histórias na biblioteca em que trabalho

3 comments:

Anonymous said...

Mas que bacana esse texto!
Parabéns!

Anonymous said...

Agradecido, Cris. O mérito é todo de Guimarães Rosa. Inté.

Santa said...

Halem

Boa lembrança! Guimarães Rosa, já desde o seu primeiro - o "Sagarana", já nos mostrava a genealidade do escritor e que hoje sua obra comprova.

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